A Chegada (microconto de Natal)

Cristina Casagrande
(Aos amigos do GEM)

Surgiu uma luz no alto do céu, tão linda e tão inebriante, que aquele homem imenso e forte como um urso resolveu segui-la. Decidiu ir como estava, despido, pois o inimigo “acode nu à contenda”. Mas sua mãe, ainda mais forte, não de corpo, mas de vontade, o advertiu a vestir-se com seu melhor manto: eram vozes amigas que clamavam a todos.

Diz-se que foi também o matador do dragão, levando consigo seu cavalo, mas abriu mão de sua espada reforjada, pois a vitória que tanto buscava já não dependia mais de si, mas de quem aquela luz emanava. Sua bem amada, sem sortilégio, ciúmes ou vingança seguia a passos leves um novo caminho, onde havia fogo e chama que aqueciam, mas não queimavam. Ao contrário: quanto mais abrasavam, mais as suas queimaduras cicatrizavam.

Olharam para trás e viram seguindo outros tão iguais e tão diferentes deles mesmos: um homem grande e poderoso como um trovão também caminhava, deixando de lado o seu martelo; uma jovem paciente costurava o caminho com seu tear, de mãos dadas com seu esposo guerreiro, cuja cicatriz na coxa esmaecia a cada passo. Havia também, vejam só, um homem grande todo de verde, carregado embaixo do braço sua própria cabeça, que desengonçado, tentava colocar de volta, ao seu lado, havia um nobre cavaleiro que não se desprendia de seu cinturão. E tantos outros assim havia.

Mais à frente, puderam notar, como filhos seus, tão similares e tão distintos. Um sonhador que já não mais implicava os moinhos de vento, mas que, junto ao seu companheiro, seguia a suave brisa que ali passava. Um jovem náufrago e seu amigo nativo; um menino marinheiro em busca de um tesouro; um capitão vaidoso e uma criança que nunca queria crescer; uma princesa que já não precisava mais de seus sapatinhos…

Ainda mais adiantados, um jovem feiticeiro com sua cicatriz; e, claro (sei que você está esperando), dois Pequenos, um com nove dedos, cujo ombro machucado surpreendentemente já não sentia mais doer. Correndo mais rápido, era possível ver um cientista lutando sob a couraça de um robô gigante, um jovem encapuzado que soltava teias pelas mãos, uma princesa amazona com seu laço mágico. E tantos magos, fadas, princesas, heróis e — por que não? — gigantes, bruxas e dragões também. Todos eles, transformados.

Havia toda uma multidão que ali seguia, parecendo derramarem-se de um grande monumento. Uns diziam que era um imenso cavalo de madeira, outros, que era um arco-íris com um pote de ouro no final. Mas eu digo a você que era um caldeirão. E dele não paravam de escorrer inúmeros personagens que nem mesmo em mil e uma noites seria possível contar.

Chegaram diante do estábulo: os animais, silenciosos, a cantoria, cada vez mais alta e, ao mesmo tempo, mais suave e extasiante. Nunca se vira um céu tão estrelado! Desceu do coro do céu um anjo, de tão branca cor e de luz tão cegante que não se poderia jamais encará-lo, não fosse a simplicidade dos personagens por trás daquelas estacas de madeira. E com uma voz simples, mais profunda, indagou: “Estais diante de um rei. Já vieram aqui muitas das gentes, trouxeram, cada qual, o que tinham: ovelhas, frutos, ouro, incenso, mirra. E vós, o que trazeis ao Príncipe da Paz, que não tem nada consigo além da simplicidade de uma Criança?”

O anjo saiu da frente, e todos puderam notar: a luz não vinha do céu, mas da Criança que dormia sossegadamente no colo de sua Mãe. Parecia que ela tinha acabado de mamar, tão pequena e tão adorável. Era recém-nascida, mas pareceu abrir os olhinhos e ensaiar um sorriso. Lúcia podia jurar que fez estender seus bracinhos. Alice já não dizia mais que era um sonho.

Então, o menino que fora feito de lenho, encontrou uma identificação com aquele Pequeno Reizinho, pois soube pela fada que o madeiro também faria parte de Seu destino. Tomou coragem e falou: “viemos trazer nossas histórias”. E assim, depois de beijar cada qual os Seus pezinhos, subiram ao céu, junto aos anjos, e misturaram-se na terra, junto aos animais. E assim, como lembrança, invenção ou verdade, perduram sua oferta, contando o passado, predizendo o futuro, se fazendo presentes.


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