Jorge de Oliveira
Tolkien, ofereceu uma poderosa reflexão sobre o valor de uma existência modesta e integrada com o ambiente natural. Ele nos descreve os hobbits como seres pacíficos, afeitos à terra, que vivem em harmonia com a natureza, valorizando as alegrias simples de uma vida bem vivida. Suas prioridades são claras: boas refeições, convivência comunitária, e o cultivo da terra, elementos que, na modernidade, parecem frequentemente perdidos em meio à pressa, ao consumismo e ao avanço tecnológico desenfreado.
Os hobbits, em sua pequena sociedade no Condado, exibem um modelo de vida que se distancia radicalmente da complexidade das grandes cidades e das dinâmicas industriais. Eles vivem em tocas confortáveis, mas modestas, construídas diretamente na paisagem, num gesto de total integração com o ambiente. Não há nas aldeias hobbit a corrida desenfreada por acúmulo de riquezas, nem ambição por status. Pelo contrário, eles preferem a quietude do lar, a prática da jardinagem, e a preservação de uma cultura de hospitalidade e festividades sazonais. O tempo flui de acordo com as estações e o trabalho agrícola, o que contrasta intensamente com a sociedade moderna, marcada por cronogramas incessantes e pelo consumo de bens e serviços.
Este modelo de vida hobbit sugere que a verdadeira felicidade pode ser encontrada em uma existência simples e autossuficiente, algo que se torna cada vez mais inalcançável nos dias atuais. A alienação do ser humano em relação à natureza é uma marca central da vida contemporânea, com muitos habitantes urbanos tendo pouco ou nenhum contato com o ciclo natural dos alimentos que consomem ou com os ecossistemas dos quais dependem. O frenesi do capitalismo moderno, com sua glorificação do consumo e da produção incessante, coloca o ser humano em rota de colisão com os princípios de simplicidade e equilíbrio que sustentam o modelo de vida hobbit.
No entanto, é exatamente na simplicidade e na conexão com a terra que os hobbits encontram sua força. Eles representam um tipo de resiliência que é raro nos dias de hoje. Os hobbits não precisam de tecnologias avançadas ou de grandes conquistas materiais para serem felizes. Eles prosperam porque aprenderam a respeitar os ritmos naturais e a viver dentro das limitações de seu ambiente, em contraste com a atual destruição ambiental causada pela ânsia humana de controle e exploração.
Essa crítica ganha relevância no contexto da atual crise climática. A Terra, exausta pela extração excessiva de recursos, degradação ambiental e poluição, está à beira de um colapso que parece inevitável caso continuemos a seguir o caminho da exploração insustentável. As emissões globais de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global, estão diretamente ligadas ao modelo industrial de desenvolvimento e à sobrecarga de demandas do consumo humano. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) já advertiu sobre as consequências severas que a humanidade enfrentará se não houver uma mudança drástica na forma como gerimos nosso impacto sobre o planeta. O desmatamento de florestas, como a Amazônia, por exemplo, é emblemático de uma tendência global de destruição dos ecossistemas naturais para a expansão de atividades agrícolas, com o único objetivo de sustentar o estilo de vida consumista dominante.
Na verdade, o modo de vida hobbit, com sua rejeição ao excesso e sua comunhão com a terra, oferece um modelo de sustentabilidade que, embora idealizado, tem profundas lições para o mundo moderno. A autossuficiência, a valorização do trabalho manual, e a simplicidade voluntária são práticas que podem mitigar a pressão que exercemos sobre os recursos finitos do planeta. Num momento em que o colapso climático se torna cada vez mais evidente, talvez seja hora de reavaliar nossas prioridades e considerar que, como os hobbits, é possível viver bem com menos, com maior respeito pela natureza e por nossos semelhantes.
A crítica climática contemporânea, assim, não é apenas uma advertência sobre o futuro, mas uma oportunidade para refletirmos sobre o presente. Até que ponto nossa busca por conforto e conveniência está comprometendo nossa qualidade de vida e o futuro do planeta? Será que podemos, como os hobbits, nos contentar com uma vida de prazeres simples, uma mesa bem posta, a amizade de vizinhos e o cultivo da terra? Como podemos, no nosso cotidiano, restaurar essa conexão perdida com o mundo natural?
Historicamente, o colapso de civilizações que exploraram seus recursos naturais de maneira insustentável, como o que ocorreu na Ilha de Páscoa, serve de advertência sobre os perigos de ignorar o equilíbrio necessário entre o ser humano e o meio ambiente. Em contraste, povos indígenas em várias partes do mundo conseguiram viver por milênios em harmonia com a terra, respeitando seus limites e cuidando de seus recursos com uma sabedoria que parece estar se perdendo em nossas sociedades industriais. Esses exemplos históricos mostram que uma relação sustentável com a natureza não é apenas possível, mas essencial para a sobrevivência a longo prazo.
Dito isso, ao examinarmos o estilo de vida dos hobbits e sua simplicidade quase utópica, somos levados a questionar: estamos prontos para redescobrir o valor de uma vida mais simples? Podemos, como eles, aprender a viver em harmonia com a terra, a valorizar o suficiente em vez do excesso? E, mais importante, será que temos tempo para mudar antes que o colapso climático nos force a fazê-lo? Podemos refletir, porém tudo que nos resta é fazer o melhor com o tempo que temos.
Jorge de Oliveira é historiador e professor, com pós-graduação em História Medieval e Literatura. Entusiasta da obra de Tolkien, é Thain da Toca Brasília e desenhista nas horas vagas.



