Quando o amor aparece: “Alegoria do Amor”, de C. S. Lewis.

Igor Gaspar

Corria os primeiros anos da década de 1930 e já havia se iniciado a pequena Renascença Literária inglesa, como a chamou o historiador H. Blamires, na qual “uma rede de mentes” brilhantes, como Dorothy Sayers e T.S. Eliot, Graham Greene, Charles Williams e J.R.R. Tolkien, de acordo com Bárbara Reynolds, energizavam-se “umas às outras” e abençoavam o mundo com sua florescente e variada produção literária — desde narrativas destinadas ao público infantil a escritos acadêmicos. 

Entre esses escritores notáveis estava Clive Staples Lewis; nas palavras de Peter Kreeft, “quase que de outro mundo, um dos próprios mundos fictícios: era um homem ou algo mais parecido com um elfo, ou um anjo?”

Lewis havia escrito, entre 1918 e 1933, três livros, dois de poesia e um de ficção: Spirits in Bondage, Dymer e O Regresso do Peregrino. Todos os três foram pálidas estrelas, mas seu livro seguinte, o primeiro no campo acadêmico, estabeleceu-se como um clássico no estudo na tradição medieval.

Alegoria do Amor foi, como pareceu a muitos, a produção intelectual de um notável acadêmico. Havia muitos anos, estudiosos e estudantes se debatiam no estudo do épico francês Roman de la Rose [O Romance da Rosa], de Guilherme de Lorris. O Romance em sua grande extensão, tem aspectos da cavalaria, filosofia e religião, mas, sobretudo, do amor cortês e das formas alegóricas. Se O Romance da Rosa gira em torno do Amor, Alegoria do Amor gira em torno de O Romance da Rosa, visto que ele é citado da primeira à última página do livro, e em todo o espaço entre um ponto e outro.

Se tomarmos o livro como uma sequência “A-E-I-O-U”, o Romance é o ponto I do livro, A e E são uma preparação para entrarmos nele, e O e U são análises de seus frutos. Assim, no primeiro capítulo do livro “Amor Cortês”, Lewis traça a longa história do amor cortês na literatura medieval, o amor servil e devotado às mulheres, e no segundo “Alegoria”, Lewis passa a discorrer sobre o método alegórico.

Roman de la Rose. Oxford, Bodleian Library MS Douce 364, f92r.

 O leitor pode pensar que Lewis está divagando, quando, na verdade, está lançando um fundamento, caminhando lentamente até chegar ao jardim. O amor cortês é o amor que sente o cavalheiro pela dama em O Romance da Rosa, em que ela aparece de forma alegórica como uma rosa. O romance se passa dentro de um jardim cercado por um muro. O jardim e o muro são igualmente alegóricos, representando o seu interior a “casa do amor”, e o exterior, a vida comum. Mais personagens simbólicos aparecem, como Razão e Inveja. Esse é o cenário, no qual se corre mais de mil versos.

Guilherme deixou a obra incompleta, Jean de Meun a terminou, porém, seguindo um caminho diferente do qual Guilherme havia legado. Tendo adentrado o Romance, Lewis segue para os seus frutos, ou seja, sua grande influência sobre outros pequenos e grandes poetas. Assim, os capítulos derradeiros são sobre a relação de escritos semelhantes, em essência, ao Romance da Rosa, como Geoffrey Chaucer e seu Parlement of Foules, John Gower e Thomas Usk e seus livros Confessio Amantis e Testament of Love, e ainda outros “poetas menores”.

Antes de chegar ao fim do livro, Lewis escreve ainda um capítulo sobre a “Alegoria como a forma dominante”. De forma simples, a alegoria nada mais é que personificar o abstrato __ como o amor que é imaterial, mas aparece de forma material no Romance da Rosa __ como Lewis escreve: “A alegoria consiste em dar um corpo imaginário ao imaterial”.

Lewis concluiu seu belo e grande livro com um capítulo sobre A Rainha das Fadas, do poeta inglês Edmund Spenser. A Rainha das Fadas é, também, um poema alegórico, que trata das virtudes.

Os escritos poéticos de Spenser são de tal beleza que Lewis chega a afirmar: “Todo o brilhante conjunto de formas vitais de Spenser configura-se em um retrato da ‘árvore dourada da vida’, de modo que fica difícil não fantasiar que a nossa saúde corpórea, e não menos a mental, se refresca com a leitura”. Ao tratar de Spenser, podemos pensar que Lewis se distanciou, por fim, do Romance da Rosa, mas, na verdade, ele está apenas navegando mais longe nas águas que fluem dessa fonte. Tendo partido da França, Lewis ancora em sua própria terra, no épico inglês de Spenser, e assim conclui.


Referências

LEWIS, C.S. Alegoria do Amor. São Paulo: É Realizações, 2012. p. 332, 338–339.

PEARCE, J. Convertidos literários. Santa Catarina: Danúbio, 2017. p. 11.

KREEFT, P. C. S. Lewis: A Critical Essay. In: PIEPER, J.; MATHIS, D. (org.). O Racionalista Romântico. Brasília: Monergismo, 2017.


Alegoria do Amor
★★★★★
Autor: C.S. Lewis
Editora: É Realizações
400 páginas


Igor Gaspar é escritor, autor de O Sofrimento Glorioso e Os Inklings, e bacharelando em Psicologia pela Faculdade Maurício de Nassau em Caruaru/PE.


Deixe um comentário