Lorena S. Ávila
texto atualizado no dia 08/12/2021 às 20h
Após seu quarto episódio ser lançado na sexta, 26, A Roda do Tempo, segunda produção de ficção fantástica da Amazon Prime, começa a gerar pequenos burburinhos nos arredores da internet. Apesar de ter sido a estreia de maior audiência do streaming, seu anúncio e lançamento surpreendeu todos que não conheciam a saga de 14 livros escrita pelo já falecido Robert Jordan e finalizada por Brandon Sanderson, popular por criar Mistborn.
A trama acompanha Moiraine (Rosamund Pike), uma poderosa feiticeira da ordem Aes Sedai, uma das controladoras da Roda do Tempo, que parte numa missão em busca do Dragão — não aquele que cospe fogo e dorme sobre uma pilha de ouro roubada dos anões —, mas o que, de acordo com uma profecia milenar, reencarnará para desafiar as sombras e salvar o mundo… Ou destruí-lo.
A princípio, a história pode parecer simples e não tão convidativa a aventuras, mas ela esconde muito mais sob sua superfície. Está repleta de mistérios, criaturas e situações que, logo no início, já nos deixam eufóricos e ansiosos para saber o que vem em seguida. Enquanto isso, acompanhamos o enigma do renascido, já que a própria Moiraine e seu guardião, Lan Mandragora, correm contra o tempo para tentar identificar quem, dentre quatro amigos, está destinado a empunhar A Espada que Não Pode Ser Tocada, trazendo por fim a última grande guerra ao mundo.
Como a maioria das grandes fantasias precedidas por O Senhor dos Anéis, A Roda do Tempo tenta resgatar a essência épica da aventura pré-rafaelita, explorando assim o contexto medieval bem como diferentes mitologias antigas, ainda que parte da inspiração do autor tenha vindo também do hinduísmo e outras crenças indianas. Esse padrão tolkieniano é encontrado em praticamente todas as obras de fantasia que surgiram da metade do século XIX para cá, difícil mesmo é equiparar.
Também considerado um clássico da alta fantasia, Jordan já admitiu em entrevista que, como muitos outros autores, se inspirou na criação do Professor. Muitos creem que sua obra está à altura de O Senhor dos Anéis. Vários fãs das duas sagas encontraram nos livros de Jordan não apenas similaridades, mas referências diretas à Terra-média e seus personagens, como por nomes geográficos retirados dos extensos mapas de Tolkien. Em A Roda do Tempo nos deparamos com uma Andor e com uma Montanha das Névoas — nos livros de Tolkien, “Misty Mountains”, na saga de Jordan, “Mountains of Misty” —, para citar apenas dois dos mais evidentes.
Embora sua popularidade ainda não seja tão alta no Brasil, pode-se afirmar que Jordan conseguiu construir uma história rica e interessante, já que levou 23 anos para finalizá-la. Renomado no ofício, A Roda do Tempo não é a única fantasia épica assinada por ele, que esteve à frente das HQs de Conan, O Bárbaro (Marvel) por alguns anos. Sob diversos pseudônimos, James Oliver Rigney Jr. (aka Robert Jordan), escreveu também para outros gêneros como ficção histórica e faroeste.
A escolha da Amazon parece ter sido certeira para competir com Sombra e Ossos (Netflix), Fundação (Apple TV) e His Dark Materials (HBO). Pode-se afirmar que de todas elas, A Roda do Tempo é a mais atrativa. Diferente de Carnival Row, que foi praticamente esquecida pelo público, mesmo contando com Orlando Bloom (Legolas) e Cara Delavigne no elenco. Até agora o streaming não havia surpreendido muito com suas grandes produções, fator que gerou preocupação entre os tolkienistas.
Se não podemos nos livrar totalmente da apreensão, A Roda do Tempo serve ao menos para controlar nossa ansiedade em relação ao futuro. Tirando os efeitos especiais de magia, que não ficaram com a naturalidade exigida, a série é esteticamente bonita, com boas locações, figurino e um ótimo CGI que apresenta cenários majestosos como devem ser. Já os seres malignos, como os Trollocs, estão devidamente maquiados, passando a sensação de realismo, que fez muita falta nos Orques estilizados de O Hobbit.
Seja por homenagem ou para mexer com o coração dos fãs de O Senhor dos Anéis, a série tenta recriar a mesma atmosfera dos filmes de Peter Jackson diversas vezes. Está repleta de trechos, diálogos e cenas que refazem alguns dos momentos mais marcantes da trilogia, praticamente como easter eggs. A fala de Gandalf sobre o tempo, bem como a angustiante passagem para Bri. Os fãs detalhistas vão reconhecer cada uma dessas alusões.
A maior ausência sentida no decorrer dos episódios até agora é a de uma boa trilha sonora; composições marcantes que dão tom à cada cena. A música com certeza engorda qualquer orçamento, mas nunca se deve ignorar seu peso para o todo. Verdadeiras obras de arte do cinema e da televisão foram eternizadas em temas musicais.
A trilogia de O Senhor dos Anéis tem um tema para cada arco; se você escutar “The Shire” em qualquer lugar do mundo, você é teletransportado para Bolsão. Star Wars tem pelo menos dois dos temas mais icônicos da história; a Marcha Imperial que anuncia Darth Vader e o tema do filme, que toca no começo de cada prólogo. Em Game of Thrones, Rains of Castamere, marcou um dos acontecimentos mais tristes e pesados de toda a série, o Casamento Vermelho, sem contar as outras composições que acompanham a jornada dos heróis e vilões pelos sete reinos. Enquanto não teve quem não cantarolou “Toss a Coin to your Witcher”, a mais popular de uma série que escolheu um ótimo instrumental para todos os episódios.
Nesse sentido, A Roda do Tempo ainda precisa deixar sua marca, compondo temas mais fortes que dialoguem com a trajetória das personagens. Ainda assim, o espectador não encontrará dificuldades em se encantar pela série. Um dos pontos mais marcantes é, sem dúvida, o protagonismo feminino; A Roda do Tempo já vem como uma abordagem muito atual em termos de história e diversidade. As personagens femininas são destemidas, lutadoras, poderosas e inteligentes, ocupando o centro da saga.
Por falar nelas, vale ressaltar que as atuações estão ótimas, com destaque para Zoe Robins, como Nynaeve e Álvaro Morte, eternizado no Professor de La Casa de Papel, que brilhou no último episódio como Logain Ablar. Aliás, o último episódio lançado foi um estrondo; a série atingiu seu ápice e apresentou um desfecho que aguçou a curiosidade de todos.
O quinto episódio de A Roda do Tempo foi lançado hoje e com ele a temporada chega na metade. Até agora a Amazon tem sido muito bem-sucedida em sua adaptação, mas é de se esperar que condensar tantos livros numa série vai ser muito desafiador. O mais importante agora é manter a qualidade que foi proposta pelos próximos anos da série, que promete um futuro promissor.
Enquanto isso, esperamos pela grande briga que vai acontecer com o lançamento simultâneo de O Senhor dos Anéis, Fogo e Sangue (spin-off de GOT pela HBO) e a terceira temporada de The Witcher (Netflix). Com as três produções chegando nos streamings entre setembro e novembro de 2022, será uma batalha épica que os fãs poderão acompanhar de perto. Estamos vivendo, de fato, uma era de ouro para as fantasias no audiovisual.
Tem tanta coisa que queria falar…
Primeiro: o autor Robert Jordan fala sim da obra do autor JRR Tolkien. Em entrevistas ele deixa claro que usou sim elementos de A Sociedade do Anel para compor o início do primeiro livro.
Veja aqui https://www.theoryland.com/intvsresults.php?kwt=%27tolkien%27
A série de livros pode não ser tão conhecida no Br, muito por causa da própria editora Intrínseca. Mas no exterior é um clássico, uma das obras seminais e fundantes da alta fantasia contemporânea. Sem WoT não existiria aSoIa: o próprio Martin admite isso.
Aliás, tem um typo: é Andor, não Ardor.
Jordan é grandioso. E a série pode ser o estímulo que faltava para os livros no Brasil, tal como os filmes do PJ foram para JRR Tolkien.
Olá, Franz! Obrigada pelos apontamentos sobre o texto. O que estava errado já foi devidamente corrigido. Não sei se ficou claro, mas a resenha é só sobre a série, porque eu não li os livros e não conhecia. Agradeço pelo link, tive muita dificuldade de encontrar a tal menção quando estava escrevendo. Bjs!