Por Fernanda Correia
Cercados por livros que decoram o local, o espaço Lugar de Ler recebeu no último sábado (4) fãs e estudiosos de J.R.R. Tolkien para comemorar o lançamento da nova edição de O Silmarillion. Reinaldo José Lopes, tradutor da obra, estava presente juntamente com Gabriel Oliva Brum, revisor técnico do livro, e Samuel Coto, gerente editorial da HarperCollins Brasil.
Reinaldo ressaltou principalmente o trabalho em equipe para produzir a tradução de um livro deste porte. O Silmarillion foi o grande projeto da vida de Tolkien, o qual ele nunca conseguiu ver publicado em vida — esse sonho viria a ser concretizado apenas com uma publicação póstuma, em 1977, com edição de seu filho Christopher Tolkien. Tamanho cuidado com as palavras e a construção da narrativa, que tanto tomaram tempo do autor e dão tanta importância à obra, refletem-se no trabalho da equipe. “Quando li, pela primeira vez, em inglês, a sensação era a de que passei a vida inteira só vendo bijuteria e de repente colocaram um rubi na minha frente. Pensei: ‘Sério que a linguagem humana consegue fazer isso?’”, comenta Reinaldo, que compara a experiência com a primeira vez que viu a sua esposa.
Nada na obra é casual, tudo é pensado. A ordem dos numerais, por exemplo, é a mesma que era utilizada no anglo-saxão, ainda que possa nos parecer estranha atualmente. A linguagem é seca e econômica, centrada e fechada, o que a aproxima ainda mais da Bíblia. “Tentamos não desfazer a teia de linguagens e sentidos que Tolkien faz repetindo coisas que estão no mesmo campo semântico”, diz Reinaldo. O tradutor completa a referência bíblica explicando que a linguagem da obra é cheia de ecos, com a reiteração de símbolos que vão marcando tais repetições como palavras-chaves.

Samuel ressaltou o trabalho em equipe para a produção da obra e o projeto gráfico de responsabilidade de Alexandre Azevedo. O gerente editorial da HarperCollins Brasil explicou a escolha de não comprar a tradução anterior para publicação, em primeiro lugar para criar um novo legado e, em além disso, para conservar os detalhes linguísticos e cuidados com a linguagem existentes na obra em sua língua original.
“O objetivo principal é trazer uma nova experiência de leitura e permitir que o leitor aprofunde mais na obra e na escrita de Tolkien”, afirma o gerente editorial, que visa contribuir para a valorização da obra do autor nas universidades brasileiras. Samuel trouxe o exemplo de toda poesia presente no livro estar disposta também na língua original para que todos possam observar e fazer a comparação entre as diferentes versões. “Queremos que o leitor tenha uma experiência parecida com a de quem lê em inglês.”
Gabriel trouxe para a conversa a questão das fontes utilizadas por Tolkien. Muito do que se encontra, especialmente em O Silmarillion, são detalhes e recriações de textos que o escritor leu e foi influenciado, ou que ele decidiu completar lacunas destas obras antigas, tais como o Kalevala finlandês e o conto de fadas Rapunzel. “Essa leitura abre um leque enorme de outras obras literárias, nos fazendo ir atrás dessas próprias fontes, e foi isso que me levou para a tradução. Acho que, junto com a linguagem, é um dos aspectos mais interessantes da obra dele essa colcha de retalhos de todas as influências que ele retrabalhou, afinal ele criou algo novo por conta de todo o estudo que Tolkien tinha”, finalizou o revisor.
Cristina Casagrande, mediando a conversa, relembrou que tanto Reinaldo quanto Gabriel, ambos parte do site Valinor, “ensaiaram” fazer traduções, publicando online, no site, muitos textos de Tolkien que ainda não haviam sido trazidos oficialmente para o Brasil. Samuel completa que estas traduções extraoficiais foram, em grande parte, a razão para a escolha deles para o projeto.
O evento trouxe um formato bastante intimista e acolhedor e pode contar com diversos grupos entusiastas de Tolkien como a Toca-SP, Povos Livres de Arda, canal O Bolseiro e Aliança CosTolkien.


Obra póstuma de J.R.R. Tolkien, editada por seu filho Christopher Tolkien, traz as histórias que antecedem O Hobbit e O Senhor dos Anéis, nas Primeira e Segunda Eras — e até mesmo antes da criação do mundo natural —, relatando grande parte do arcabouço mitológico presente no legendário do autor.