Por Cristina Casagrande
No dia 14 de janeiro, o Instagram da série The Lord of the Rings on Prime revelou os quinze atores que farão parte da série prevista para estrear no ano que vem ou, com sorte, ainda no fim deste ano (confira ao final do artigo). Os nomes não são figuras muito conhecidas pela grande mídia, mas alguns têm trabalhos muito interessantes e respeitados pelo público. Especula-se ainda que será divulgado um segundo elenco com personalidades mais conhecidas — o que parece bastante improvável.
Não se sabe oficialmente quem será quem, mas existem algumas hipóteses, já que tudo indica que a série se passará na Segunda Era da história de Arda: no ano passado, o perfil da série divulgou um mapa mostrando a ilha de Númenor, que surgiu e foi destruída na Segunda Era. Embora o Instagram oficial da série tenha apagado o mapa, a expectativa é de que a história se passe nessa era. Em outras redes sociais da série, como Facebook, YouTube e Twitter, os mapas não foram apagados, o que nos leva a pensar que, provavelmente, o perfil no Instagram servirá como uma vitrine de destaques das notícias da série, a ser trocada conforme as estações.

Divulgados os nomes do elenco principal, alguns sites e fãs criaram expectativas sobre a série, algumas favoráveis, outras nem tanto. Um grupo expressivo de leitores de Tolkien, muito em parte inspirados, de forma distorcida ou não, no gênio do próprio autor, passou a ser muito exigente com detalhes e tem demonstrado muita preocupação com a (às vezes bem, às vezes mal) dita “fidelidade” à obra literária, esse que é o termo mais perigoso e elusivo quando se trata de adaptações.
Mas não é só isso. A questão chegou a um ponto tão gritante que foi feita uma petição online para que a “série permanecesse respeitosa e fiel às obras de Tolkien” e para que se repudiasse qualquer “conteúdo censurável gratuito, como sexo, linguagem profana e/ou obscena”.
A petição diz reconhecer que algumas omissões e acréscimos são necessários para uma adaptação, mas isso ainda é muito vago. Esse tipo de reação sempre vai existir em qualquer adaptação com base em uma obra literária, mas é preciso compreender o que é uma exigência razoável quando se trata de uma produção audiovisual baseada num livro. Uma adaptação, grosso modo, é a transposição interpretativa de uma história de sua linguagem original (como a literária), para a nova linguagem (uma série televisiva, neste caso).
Detalhes como o tamanho dos dragões, se as orelhas dos elfos eram pontudas ou se os balrogs têm asas ou não (de novo?) são válidas, quando se entende que os detalhes da obra eram tão caros para o seu subcriador. Mas é preciso ir mais a fundo e buscar a real importância da salvaguarda de tais características.
Se formos verificar os manuscritos antigos da obra de Tolkien, vemos que muitos elementos foram mudando com o tempo. Beren, por exemplo, era homem, depois virou elfo e depois voltou a ser homem. A porta do Bolsão foi mudando de cor até que o próprio Tolkien resolveu anotar a definitiva antes que seus filhos resolvessem chiar de novo.
Afinal, o que é realmente importante de se preservar numa obra tão minuciosa como a de J.R.R. Tolkien? Esse é o tipo de pergunta que deve ser feito para que se resulte em uma boa adaptação. Em suma, é preciso saber qual a essência da obra. A preocupação e cuidado com os detalhes é parte integrante da essência da obra tolkieniana, muito mais do que as características escolhidas em si, afinal, muitas delas foram mudando com o tempo. Vale lembrar que a série recebeu o aval do Tolkien Estate para ter certa liberdade criativa em sua adaptação, contanto que os principais eventos da história não fossem comprometidos.

Quando foi divulgado o elenco, chamou atenção a presença de um ator mirim, Tyroe Muhafidin (se, como eu, você achou que Megan Richards também era criança não se iluda: aquele rostinho inocente é de uma mulher de 20 anos), com pouca experiência como ator. Especula-se que ele faça breves participações nas versões mais jovens de algum personagem central. Os mais esperançosos torcem para que a série tenha um projeto para muitos anos, a ponto de ele crescer e representar um personagem adulto na produção.
Mas o par de atores que mais gerou burburinho e estranhas reações dos fãs mais exaltados foram da atriz Sophia Nomvete e do ator Ismael Cruz Córdova, pelo fato de serem negros. Comentários como “respeitem o cânone de Tolkien” embaixo de suas fotos não foram exceções, mas uma constante. Houve até mesmo posições explicitamente racistas (veja com seus próprios olhos no Instagram).
Alguns defendem a escolha do elenco, dizendo que os orientais e os haradrim, do Sul, tinham a pele negra ou morena. É bom lembrar que, apesar de esses povos se apresentarem como inimigos dos homens do Oeste, isso não se dá pela cor de sua pele, mas por suas escolhas, que nada têm a ver com as suas características físicas.

Christina Scull e Wayne G. Hammond (2017, p. 1016) reforçam que Tolkien declaradamente repudiava o racismo e o antissemitismo. Em uma carta a Stanley Unwin, sobre a exigência da Alemanha de que só publicaria sua obra no país sob a condição de ele não ter sangue judeu, Tolkien afirma: “[…] Eu não considero a minha (provável) total falta de sangue judeu como necessariamente digna de honra; e tenho muitos amigos judeus e lamentaria dar qualquer crédito à noção de que aderi à totalmente perniciosa e não científica doutrina racial.”
Não seria muito difícil de aceitar que, se Tolkien escrevesse o seu legendário nos dias de hoje, ele poderia muito bem incluir personagens negros amigos dos valar e dos Homens do Ponente, sem que isso corrompesse a essência de sua obra. Afinal, a Guerra do Anel, por exemplo, mostra justamente a união entre povos de origens, culturas e características físicas diferentes em prol de um bem comum: resgatar a liberdade, eliminando o controle e o domínio do Inimigo.
O raciocínio não é muito diferente de incluir uma personagem feminina em O Hobbit. Em outras palavras, não seria impossível admitir, que, nos dias de hoje, Tolkien talvez incluísse uma elfa, mulher ou anã em O Hobbit, tanto é que ele o fez em O Senhor dos Anéis. Tauriel não foi uma má ideia, o problema esteve em sua execução: reduziram a personagem a um papel forçado em um triângulo amoroso água com açúcar, envolvendo Legolas e o anão Kili, reduzindo assim a força e a importância dos fios de cabelos com que a Senhora Galadriel presenteou o anão Gimli ou, ainda, a grandeza da amizade entre o filho de Glóin e Legolas, em O Senhor dos Anéis.
Além do mais, vale lembrar do argumento de Hammond e Scull (2017, p. 1018), de que as obras de Tolkien correspondem a um universo imaginário, não idêntico ao Mundo Primário: “embora Tolkien quisesse que a Terra-média representasse o nosso mundo em eras antigas e ficcionais, é na verdade um Mundo Secundário, que não pode ser julgado por acontecimentos de nossa história particular”.
Outra questão levantada é o fato de a maior parte do elenco ser pouco conhecida e o de não haver nenhum símbolo de beleza extrema no elenco. O estranhamento em relação aos atores desconhecidos é compreensível, alguns podem desanimar por ora, outros podem apostar em serem surpreendidos por talentos novos. A ausência de atores com uma beleza de tirar o fôlego além de ser uma questão bem subjetiva — não vimos a produção em ação ainda! —, pode ocorrer pelo fato de que na Segunda Era a estética está mais voltada para os homens, cuja beleza é mais natural e menos idealizada que a dos elfos.
De todo modo, não temos muito ainda o que saber sobre a série. Sabemos, porém, que as obras de Tolkien são sobretudo para nos divertirmos, deleitarmos, refletirmos e inspirarmos e esperamos que a série nos ajude a reforçar tais características.
Confira o elenco anunciado

Megan Richards
Conhecida como Mimi Brookes na série Wanderlust (NetFlix/BBC One).
Sophia Nomvet
Dexter em Vice Versa (RSC); Miss Littlewood (RSC); England People Very Nice (Royal National Theatre).
Tyroe Muhafidin
Ator australiano, participou de curta-metragens como Two Sands e Caravan.

Nazanin Boniadi
Rudi Bakhtiar em Bombshell (Fox Film).
Owain Arthur
Filme The Patrol (2013) e as séries televisivas The Palace (2008), e Babylon (2014).
Robert Aramayo
Chama a atenção a sua participação como o Eddard “Ned” Stark enquanto jovem na série Game of Thornes (HBO).

Ismael Cruz Córdova
Ator porto-riquenho com destaque na série infantil americana Sesame Street.
Tom Budge
Ator australiano, marcou sua carreira nas telas como Pickles em Australian Rules.
Morffyd Clark
Famosa por interpretar Irmã Clara na série His Dark Materials.
Obra citada
HAMMOND, Wayne G; Scull, Christina. The J.R.R. Tolkien Companion and Guide: Reader’s Guide. London: HarperCollins, 2017.

Ver fãs querendo reduzir ou dar relevância a uma pretensa fidelidade da cor da pele dos personagens é simplesmente absurdo! Como o texto muito bem revela, é muito provável que a narrativa original trouxesse personagens de outras etnias, caso fosse escrito hoje; querer que uma obra televisiva moderna se estruture em pouquíssima representatividade e diversidade, de modo a obedecer fielmente o livro, sem levar em consideração o contexto de pós-colonialismo em que a obra foi escrita, ou todo fluxo de migração e mudança na estrutura étnica que ocorreu nos países europeus nas últimas décadas, é a meu ver, apegar-se absolutamente no lugar errado para exigir respeito à obra original. Temos muitos aspectos narrativos, filosóficos e de valores tolkenianos para nos apegarmos se quisermos exigir a tão esperada fidelidade. É pelo abandono destes aspectos – e não por eventuais elfos ou numenoreanos negros e orientais – que a espírito do autor pode não ser respeitado.
Perfeito! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
Em Harad e Extremo Harad onde os homens têm pele escura e olhos vermelhos. Precisamos saber quais são os personagens antes de criticar. A única coisa que não pode haver na série, é inadmissível, é sexo e apelo sexual. Amor é outra coisa, muito diferente.