Entrevista: Anders Stenström (Beregond), tolkienista sueco conhecido como Beregond
Eduardo Boheme
Read in English here
A Suécia ocupa uma posição peculiar para leitores de Tolkien. O primeiro livro dele a ganhar uma tradução no mundo foi na Suécia: O Hobbit, famosamente traduzido em 1947 como Hompen por Tore Zetterholm.
O Senhor dos Anéis também foi traduzido relativamente cedo. O livro ficou ao encargo do polêmico Åke Ohlmarks [saiba mais sobre ele aqui], cuja tradução foi publicada entre 1959 e 1961. Foi exatamente essa tradução, junto com a tradução neerlandesa, que fez com que um aborrecido Tolkien escrevesse a Nomenclature of “The Lord of the Rings” [Nomenclatura de O Senhor dos Anéis]com o intuito de guiar a tradução dos nomes próprios do livro. Em 2004–2005, O Senhor dos Anéis foi retraduzido na Suécia por Erik Andersson e Lotta Olsson (responsável pelos poemas).
Hoje, entrevistamos o tolkienista sueco Anders Stenström, conhecido por todos como Beregond. Além de seus vários artigos publicados sobre Tolkien e seu trabalho na edição nos periódicos Arda e Arda Philology, Beregond foi também responsável pela tradução da Última Canção de Bilbo (2014) e das Cartas de Tolkien (2017), além de ter auxiliado na tradução do próprio Senhor dos Anéis.
Conte-nos um pouco de sua trajetória como leitor de Tolkien.
Leio Tolkien desde antes de completar dez anos; foi a tradução de O Senhor dos Anéis feita por Ohlmarks que encontrei — primeiro As Duas Torres, a propósito; li A Sociedade do Anel só depois de terminar O Retorno do Rei. Minha irmã me deu a edição britânica em volume único brochura no meu aniversário de treze anos. O Silmarillion foi lançado logo antes de eu completar vinte anos, então tive a sorte de ler esse e todos os volumes póstumos seguintes, um por um, conforme saíam. Tendo me envolvido também com o fandom e os trabalhos acadêmicos sobre Tolkien, esse interesse moldou minha vida em grande medida.
No seu artigo Tolkien in Swedish Translation, de 2004, você lamentava o fato de que as Cartas de Tolkien não tinham sido lançadas em sueco. Treze anos se passaram até uma tradução sair, tradução essa feita por você mesmo. Você poderia comentar como foi traduzir esse livro complexo?
O que eu achei mais desafiador — e não me atrevo a dizer em que medida fui bem-sucedido — foi preparar um texto em sueco que soasse como se tivesse sido escrito pelo brilhante, atencioso, opinioso, bem-humorado, erudito e ocupado professor, pai e escritor do século vinte, tão presente e vívido no original. Um aspecto disso é a mudança perceptível do jovem escritor das primeiras cartas para o Tolkien mais familiar na maior parte do livro. De fato, deixei essas primeiras cartas para traduzir por último.
Não dá para falar de Suécia e Tolkien sem mencionar Åke Ohlmarks. Mesmo tendo traduzido muitos livros de Tolkien, depois que Christopher o vetou, Ohlmarks passou a caluniar o autor, Christopher, as Sociedades de Tolkien suecas e os fãs… no seu artigo de 2004, você menciona que ouviu Ohlmarks dizendo que Tolkien não tinha de fato escrito O Senhor dos Anéis, mas retrabalhado um manuscrito de E.V. Gordon [colega de Tolkien em Leeds]. Por que os ataques de Ohlmarks eram tão cruéis? Seria para causar sensação ou você acha que ele realmente acreditava no que dizia?
Tolkien tinha razão ao afirmar na Carta 288 que “Ohlmarks é um homem muito fútil (como descobri na troca de cartas), preferindo seus próprios caprichos aos fatos, e facilmente fingindo saber coisas que não sabe”. Minha impressão é de que essa preferência que tinha por seus próprios caprichos em detrimento dos fatos continha uma grande dose de autoconvencimento: ele persuadia a si mesmo com muita rapidez de que as coisas que dizia eram verdade. Era uma pessoa combativa e atacava todos aqueles que sentia o estarem insultando.
Mesmo que o próprio Tolkien tenha criticado a tradução de Ohlmarks, essa tradução reinou por mais de cinco décadas na Suécia até que O Senhor dos Anéis foi retraduzido em 2004–2005. O que explica esse atraso? Que limitações da tradução antiga foram tratadas de modo bem-sucedido?
Sem dúvida os editores não viam motivo para uma retradução contanto que a antiga estivesse vendendo bem. Uma tradução nova gera interesse novo, mas há também um investimento. O momento oportuno chegou quando o interesse que uma nova tradução geraria pôde se somar ao interesse criado pelos filmes.
Além dos vários erros, a tradução de Ohlmarks também acrescentava cores excessivas às descrições de Tolkien e tinha inconsistências irritantes (por exemplo, muitos topônimos e famílias do Condado que aparecem na Sociedade do Anel ganham uma nova tradução quando reaparecem no Retorno do Rei, mas às vezes as traduções mudam depois de algumas páginas). A tradução de Andersson evita todos esses erros.
Na Nomenclatura de O Senhor dos Anéis, Tolkien sugere algumas traduções para o sueco. Elas foram todas adotadas por Erik Andersson ou há momentos em que as sugestões de Tolkien não eram lá tão boas?
Sua pergunta me fez olhar a Nomenclatura novamente e, embora haja muitas considerações sobre as traduções de Ohlmarks, não há tantas sugestões independentes. Brännavin como tradução de Brandywine [Brandevin] é uma boa sugestão, mas um pouco desajeitada. Brännevin, conforme Andersson traduziu, é uma versão do nome que soa mais natural. Snöbrunn para Snowbourn [Riacho-de-Neve] é uma sugestão que não funciona. Brunn em sueco significa “poço (construído)”, e nunca “riacho, regato”.
Então não, Andersson não adotou todas as sugestões de Tolkien. Em especial, alguns termos que Tolkien disse que poderiam ser deixados sem tradução (como smial) foram sim traduzidos a partir de construções filológicas com paralelos em sueco (por exemplo smial :: smuga), e também acho que foi uma escolha correta.
Na Suécia, assim como no Brasil, O Senhor dos Anéis foi traduzido e retraduzido depois de algumas décadas, criando duas gerações diferentes de leitores de Tolkien. No seu país, onde as Sociedades de Tolkien têm se mantido ativas por muitos anos (de fato, a primeira Tolkien Society da Europa foi sueca, embora já não exista mais), você nota a participação de leitores mais jovens? Há uma “rivalidade” saudável entre gerações?
As novas traduções não criaram uma nova onda de fãs à parte. Assim como em outros lugares, os filmes de Peter Jackson em alguma medida o fizeram, mas, dentro dos círculos que participo, os fãs do século XXI se mesclaram conosco, que somos do século XX. Mas é difícil saber o que se passa na vasta esfera das mídias sociais; talvez haja aí muitos jovens por si sós onde eu não consigo enxergá-los.
Alguns artigos acadêmicos de Tolkien, como English and Welsh [Inglês e Galês], foram traduzidos muito cedo na Suécia. Você acha que o público sueco tinha interesse por esses trabalhos? E o público leitor de Tolkien no geral, tem crescido com os anos? No que diz respeito ao ambiente acadêmico, você acha que Tolkien tem sido objeto de estudo corriqueiro entre os pesquisadores?
Os livros de Tolkien já não estão mais no topo da lista de empréstimos nas bibliotecas como costumava ser trinta anos atrás. Por outro lado, eles certamente têm uma presença estabelecida na consciência coletiva; ouço referências ocasionais a Tolkien em todo tipo de contexto. O maior jornal da Suécia aparentemente dedicará várias páginas para a estreia de Os Anéis de Poder da Amazon (sei disso porque um escritor me pediu para dar uma olhada e comentar seu artigo).
Essa antologia de artigos traduzidos que você mencionou não teve segunda edição, por isso receio que a demanda não tenha sido enorme. Aqui, como em outros lugares, são os textos ficcionais que atraem um público leitor amplo. Houve vários trabalhos acadêmicos escritos para avaliações finais, e algumas teses de doutorado sobre literatura de fantasia incluindo Tolkien — um exemplo é a de Stefan Ekman que se converteu no livro dele Here Be Dragons: Exploring Fantasy Maps and Settings [Aqui Há Dragões: Explorando Mapas e Cenários de Fantasia] — mas não há nenhuma inteiramente sobre Tolkien.
