Os contos de fadas e a realidade

O leitor Igor Gaspar nos ofereceu gentilmente este texto para publicação no blog. Agradecemos a disponibilidade de dividir o seu talento conosco.


Por Igor Gaspar

    Quando lemos um conto de fadas, naturalmente, não esperamos fechar o livro e ver um dragão cruzando os céus; assim como quando lemos um conto fantástico não esperamos encontrar nele personagens ordinários do início ao fim. É preciso algo novo, com qualidades não vistas no Mundo Primário para que se nasçam as histórias de fadas.

      Assim, de forma puramente objetiva, o Mundo Fantástico e a realidade, parecem estar, a priori, separados de forma a não se iluminarem mutuamente. Quando, porém, o conto alcança a imaginação, a luz de um mundo passar a iluminar o outro. 

     

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 O leitor que teve sua imaginação “batizada”, consegue ver um dragão no avião que cruza o céus. Ele sabe que um não é o outro, mas a luz que irradia das Terra dos Elfos passa a brilhar nesse nosso Planeta Azul; fazendo com que uma coisa lembre a outra. Mais que lembrar, ela faz com que as coisas se pareçam. Depois que eu li A viagem do peregrino da alvorada, das Crônicas de Nárnia de C.S. Lewis,todo rato se tornou Ripchip, para mim. Eu continuo consciente que os ratos não andam bípedes, nem portam espadas, nem falam, mas a lembrança e a aparência me tomam de tal forma que me fazem clamar: “Ripchip”, quando vejo um rato.

      Esse é um exemplo de como a luz da Terra dos Elfos ilumina nosso mundo. Por outro lado, um modo de como a nossa luz ilumina pode ser encontrado em livros como As Crônicas de Nárnia e O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien. Em Nárnia, nosso Mundo Primário reflete sobre a Terra das Fadas de múltiplas formas. Umas delas, a mais clara, é seu próprio nome: Nárnia é o nome de uma cidade italiana. Em O Senhor dos Anéis, a luz daqui brilhatambém de múltiplas formas, uma delas é o personagem fictício Barbárvore, que, em grande parte, foi inspirado em C.S. Lewis, amigo de Tolkien.

      Uma vez “alcançados” pela fantasia passamos a navegar entre dois mundos. “A trombeta da terra dos elfos”, como disse Lewis, continua sem ser ouvida com os ouvidos sensórios, mas é ouvida com a imaginação, como Beethoven, depois de surdo, ouviu em sua mente a Nona Sinfonia.

      Assim, pelo despertamento da imaginação, a realidade passa a ser iluminada pela fantasia, e a fantasia iluminada pela realidade. Kevin Vanhoozer mostra, mais uma vez, a iluminação que nossa Terra recebe quando brilha sobre ela a luz da Terra das Fadas. Em O racionalista romântico, ele escreve:

Não consigo lembrar da época em que não vivi ou representei histórias. Graças a Alexandre Dumas e Roger Lancelyn Green, o que poderia ter sido uma fileira bem comum de casas se tornou, para mim, o reino em que eu podia praticar o cavalheirismo, resgatar lindas donzelas, e defender a minha honra contra o dragão que morava ao lado (uma senhora idosa nada gentil, na verdade).

      Houve quem considerou essa visão — ou melhor, essa iluminação da visão — como sendo demasiado escapista da realidade. No ensaio Sobre três maneiras de escrever para crianças, C.S. Lewis explica que o efeito do conto de fadas não é o de tornar falso o mundo real mas, sim, o de enriquecimento da realidade. Ele escreve:

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Barbárvore/New Line Cinema

Seria muito mais verdadeiro dizer que a terra das fadas desperta um anseio pelo que […] não se sabe o que é. Isso […] agita e aflige (para o enriquecimento de toda a vida) com a sensação difusa de algo além do alcance dela e, longe de abafar ou esvaziar o mundo real, dá-lhe uma nova dimensão e profundidade. A criança [bem como o adulto] não despreza florestas reais porque leu sobre florestas encantadas: a leitura faz todas florestas reais um pouco encantadas.

      Noutro ensaio, Não se vive só de prazer, Lewis escreve como foi, para ele, ver o brilho do mágico sobre o real. Ele escreve: “Há prazeres pelos quais é quase impossível prestar contas e muito difícil descrever. Experimentei um deles há pouco tempo, indo de metrô de Paddington a Harrow”. Em todo o ensaio, Lewis segue escrevendo sobre como a experiência de estar num metrô com pessoas às voltas do trabalho, olhando pela janela e vendo ao longe às casinhas iluminadas e envolvido numa atmosfera de alegria, lhe foi cara proporcionando uma alegria profunda: “Duvido ser capaz de levar você a imaginar o que senti […] O ponto é que tudo isso, junto, criou em mim um grau de felicidade que não devo tentar descrever, porque, se eu tentasse, você diria que era exagero meu”. Lewis observa que experiências tais são como “ir ao Éden”; e, em meio a esse lugar, brilha também a luz das fadas. Quando cruza o metrô, na viração do dia, e dá para ver ao longe as casinha, Lewis diz: “Vista da estrada, toda casa iluminada é mágica”.

      Assim, pela imaginação,  recuperamos o  nosso olhar para o mundo como novidade. A nossa realidade é, então, ampliada, com as duas lâmpadas que iluminam o mundo: a Terra das Fadas e esse nosso mundo concreto. Sempre estamos aqui e voltamos lá e de volta outra vez.


Igor Gaspar é estudante de psicologia e encontrou em Lewis e Tolkien suas grandes inspirações para escrever.

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