Por Patrick Queiros
A Arte da Guerra é um compacto manual em treze capítulos escrito pelo filósofo e general Sun Tzu no século III a.C., sendo um dos mais antigos tratados militares do mundo. O livro acabou exercendo influência em guerras no decorrer dos séculos e hoje é utilizado por empresas, políticos e estudiosos de diferentes áreas.
Segundo Sun Tzu, “A guerra é uma questão vital para o Estado. Por ser o campo onde se decidem a vida ou a morte, o caminho para a sobrevivência ou para a ruína” (2001, p. 25). A obra de Tolkien é repleta de guerras e batalhas, meios de enfrentar desavenças políticas, lutar por tesouros e joias, entre outras. As guerras nas obras de Tolkien frequentemente representam essa linha tênue entre a sobrevivência e a ruína das raças, bem como costumam marcar a mudanças das eras.
A Batalha de Nirnaeth Arnoediad
No livro O Silmarillion, é relatado que Maedhros, o filho mais velho de Fëanor, reuniu forças de elfos, homens e anãos, com objetivo de atacar Angband e aniquilar o mais temível dos ainur, Morgoth. Porém, um de seus erros foi realizar um ataque cedo demais, antes que seus planos estivessem prontos e, embora tenha expulsado os orques do norte de Beleriand, Morgoth acabou sendo avisado do levante, podendo assim se preparar contra os inimigos.
Segundo Sun Tzu, um dos melhores planos de ataques é desfazer as alianças do oponente, provocando o rompimento dos seus adversários, o que foi realizado por Morgoth:
Muitos espiões e obreiros de traição enviou em meio a eles, como agora estava mais apto a fazer, pois os Homens infiéis que o seguiam em segredo ainda sabiam muito dos segredos dos filhos de Fëanor.
(Tolkien, 2019, p. 258).
Seguindo essa estratégia, Morgoth utiliza-se de espiões. Para Sun Tzu, há “cinco tipos de espiões a poderem ser empregados: nativos, internos, duplos, dispensáveis e vivos.” (2001, p. 118). Desses, Morgoth faz uso de agentes dispensáveis, ou seja, aqueles que dão deliberadamente as informações falsas ao oponente:
Não sabia que Maedhros fora atrapalhado em sua partida pelos engodos de Uldor, o maldito, que o enganara com falsos avisos de ataque de Angband
(Tolkien, 2019, p. 259).
Além disso, são utilizados mais dois tipos de espiões: os nativos, que são naturais da terra rival, e os vivos, aqueles que conseguem voltar com as informações para seu soberano.

Em outro front de batalha, o capitão de Morgoth, havia recebido ordens de, rapidamente, atrair Fingon para fora das colinas, pelos meios que lhe fossem possíveis. Então os arautos, trouxeram
Gelmir, filho de Guilin, aquele senhor de Nargothrond a quem tinham capturado na Bragollach e tinham cegado. […] E deceparam as mãos e os pés de Gelmir, e sua cabeça por último, à vista dos Elfos, e o deixaram ali
(Tolkien, 2019, p. 260).
Isso acabou sendo um grande erro de Morgoth na batalha. Segundo Sun Tzu, um dos principais motivos pelo qual as tropas abatem o oponente é por se sentirem enraivecidas, já que a ira pode torná-los cerca de dez vezes mais fortes. Isso de fato ocorreu na batalha em questão, pois nas colinas estava Gwindor de Nargothrond, irmão de Gelmir, e, em um ataque de raiva, junto com os seus homens, matou os arautos e atacou o corpo principal do exército de Morgoth, fazendo com que Fingon viesse em seu auxílio com os noldor.
Dessa maneira, o exército mandado por Morgoth a oeste foi dizimado, configurando uma vitória aos noldor e humanos, que continuaram avançando e atacaram os portões de Angband. Contudo, para tal feito eles tiveram que passar pelas Thangorodrim, as montanhas erguidas à frente de Angband, como muralhas ao norte da Terra-média.
Por muitas portas secretas nas Thangorodrim Morgoth fizera sair sua hoste principal, que deixara a esperar, e Fingon foi rechaçado com grande perda das muralhas
(Tolkien, 2019, p. 261).
Sun Tzu atenta que montanhas e pântanos são terrenos difíceis, pois o deslocamento é árduo e causa cansaço às tropas. Na planície de Anfauglith, no quarto dia da guerra, teve início a batalha Nirnaeth Arnoediad, as Lágrimas Inumeráveis, e Haldir, Senhor dos Haladin, foi morto, assim como a maioria dos homens de Brethil, até que veio Turgon com seu exército, abrindo o cerco dos orques. Vieram também Fingon e Húrin, além de Maedhros, vindo do leste, abatendo-se sobre os orques. Então Morgoth soltou sua última força, e Angband ficou vazia. Vieram lobos, balrogs, dragões, inclusive Glaurung.

A força e o terror da Grande Serpe eram agora de fato grandes, e Elfos e Homens feneceram diante dela; e ela se pôs entre as hostes de Maedhros e Fingon e as separou
(Tolkien, 2019, p. 262).
A atitude de Glaurung, o pai dos dragões, foi muito astuta, e reflete o que acontece no Mundo Primário, pois dividir as forças do adversário era uma estratégia muito usada já na época de Sun Tzu.
Assim, pela traição dos homens, muitos dos orientais voltaram e fugiram, com o coração cheio de mentiras e pavor. Os filhos de Ulfang, de repente, passaram para o lado de Morgoth e investiram contra a retaguarda dos filhos de Fëanor.

Mais uma vez reforça-se a tese de que desfazer as alianças dos rivais é uma estratégia essencial — fazer promessas e alianças militares promovendo uma traição em meio às fileiras adversárias tem um grande impacto numa batalha, bem como a fuga de parte das tropas, que faz com que se percam os ânimos. Assim, uma traição levou os soldados de homens e elfos, que ainda estavam do lado de Fingon, Turgon, Húrin, a se sentirem perdidos momentaneamente em meio ao campo de batalha. Dessa forma, a traição foi essencial para vitória de Morgoth.
Tais considerações sobre estratégias bélicas mostram o quanto é importante manter o domínio das paixões para não se deixar abater pelas garras do inimigo e que a arte da guerra depende de lógica e raciocínio e de como se manipula a ira e a vaidade dos combatentes.
Obras citadas
Sun Tzu. A Arte da Guerra. São Paulo: Martin Claret, 2001.
Tolkien, J.R.R. O Silmarillion. Tradução de Reinaldo José Lopes. Rio de Janeiro: HarperCollins, 2019.

Republicou isto em REBLOGADOR.
Obrigado por republicar.
Opa! Parabéns pelo post!…
Porra! Muito bom essa publicação sua sobre a batalha das lágrimas incontáveis e falando sobre o livro Arte da Guerra. Bacana. Pública mais artigos assim pra eu ler sobre as batalhas da Terra média. Gostei muito heheh
Muito obrigado
Publicarei outro no mesmo estilo no futuro fazendo uma analise sobre A arte da guerra em outra batalha.
Muito bacana mesmo
Muito obrigado!
Muito boa sua comparação entre as obras. Muitas dessas teorias de Sun Tzu hoje já são tão enraizadas, que é algo natural e muito consciente, o exemplo claro disso, eram as guerras antes da primeira guerra mundial, onde não existiam estrategias bem definidas, era basicamente: manter a formação e marcha para cima do inimigo, já para depois da primeira guerra mundial, isso já mudou, o papel do estrategista militar cresceu muito. Isso que não vemos muito por parte dos “mocinhos” das histórias de Tolkien, de maneira geral, eles são muito honrados! o que não permite que certas táticas possam ser usadas, por no romantismo não seriam bem vista, mas claramente estratégicas.
Já os vilões: Sauron, Morgoth, Saruman etc, eles eram estrategistas brilhantes, mas por deslises eles perderam.
Muito Obrigado pelo comentário. Muitos desses manuais já estão mais enraizados como você mesmo disse, A arte da guerra de Sun Tzu, O livro dos Cinco Anéis de Musashi, são grandes referencias orientais que são utilizadas até hoje mesmo nós termos avançado tecnologicamente, não acho que tenhamos avançado tanto em termos de manuais e estratégias, se utiliza muitas estratégias antigas,mas readaptadas as tecnologias. A tecnologia chegou a um ponto que ” se hackeia a comunicação adversária e manda um drone ou F35 para simplesmente destruir o local.” Eu não estou dizendo que não tenhamos avançado em termos de estratégia,mas que não encontro esses novos manuais. Inclusive adoraria para referencias.
Concordo os mocinhos nas historias de Tolkien tem mais a ideia do protagonismo,seres de grandes habilidades individuais,sempre que eu leio observo Morgoth como um grande estrategista, apesar que Sun Tzu diz que os generais devem estar no cambo de batalha para inspirar e orientar suas tropas, umas das coisas que chateia é que Morgoth está sempre em sua fortaleza.
No que diz respeito ao papel do estrategista, desde a primeira guerra mundial,eu concordo com você mudou muito. Hoje grandes serviços e inteligência, apesar que alguns servições de inteligencia.
Parabéns pelo texto.
Realmente faz todo sentido, é um xadrez bélico, a diferença é que Morgoth já tinha “vencido” o jogo, matou mais reis do que qualquer outro, porém, o lado “branco” contou com a ajuda extra de outras peças, vindas do Reino Abençoado, e o Senhor do Escuro caiu de vez.
Gostei da analogia com o xadrez. Sim,Morgoth matou mais reis que qualquer outro, e em termos de números de inimigos ele tinha várias reinos contra ele e seu exercito. Diga-se de passagem essas outras peças que vieram do reino abençoado eram basicamente “torres,bispos e rainhas” em termos de movimentações de peças de xadrez, fazendo uma grande diferença no jogo. Obrigado pelo comentário
Sim,adorei a analogia com o xadrez. E concordo com você Morgoth matou mais reis que qualquer outro. A ajuda do Reino Abençoado em termos de xadrez, representou uma grande diferença. A questão é que Morgoth tinha inimigos demais.
Incrivel esse post, deu vontade de conhecer mais a história! parabéns
Obrigado! Fico feliz que tenha gostado Isabelle, sem querer incentivei uma pessoa a ler Silmarillion. Continuaremos juntos e fortes publicando matérias sobre Doramas também.
Gostei muito. Claro, objetivo e preciso em suas comparações.
Muito Obrigado! E continuaremos firmes e fortes nas publicações do blog “Vai um dorama?” também
Muito bom Patrick. Parabéns pelas abordagens… é sempre bom encontrar amantes das obras do professor Tolkien.
Obrigado Andréia. É muito bom ver que as pessoas estão reconhecendo meu trabalho e sim,é sempre bom encontrar amantes da obra de Tolkien.
parabéns gostei muito da sua analogia do o silmarillion com A Arte da Guerra, muito bom.
Muito Obrigado Carlos é um prazer contar com sua presença na Toca-Ba. Fico contente em saber que gostou.
Muito bom! Adorei o texto.
Acredito que em Tolkien muitas coisas submergem, sob o véu de sua pesquisa, estilo e charme. Um olhar diferenciado nos permite fazer surgir certas interpretações que dão toda um novo colorido à obra, sem falar nas possibilidades da correlação de conhecimentos que nos é possível. Parabéns pelo texto.
Obrigado Marcos! Analisar guerras, sobre perspectiva de teóricos militares, sempre nos faz reinterpretar a obra abrindo os horizontes.
Há toda uma estratégia por parte de Morgoth em reservar seu contigente entre/nas montanhas, o que dificulta a visão e acesso de hostes inimigas e, provavelmente, ele não saia de seu assento para o campo de batalha, simplesmente por não se considerar apenas general. Ainda assim, as forças atacantes se tivessem tido um bom estudioso de batalhas em suas fileiras, todavia foi uma escolha do autor (nosso professor), poderia ter feito como Júlio César ao conquistar a Gália, contornando as montanhas e cercandoo inimigo por dias para que suas provisões iriam rarear, afinal os orcs (sou velho e prefiro esse termo) também comem. O problema reside em enfrentar um ser divino logo após, sim Morgoth queiram ou não ainda era um Vala. Mas, o Senhor do Escuro se provou tenaz e calculista em suas maquinações de guerra e, certamente, o professor soube fazer da arte da guerra um grande cenário para contar mais uma profunda e triste história de ganhos e perdas.
Sim, as montanhas são utilizadas para esconder tropas, e dificulta a visão dependendo a posição que se encontra, varia de acordo com o clima e geografia, quem tem vantagem é quem conhece a região e primeiro chega ao campo de batalha, se formos falar de um ponto de vista mais recente os mujahedins-guerrilheiros afegãos, usavam as montanhas como base de esconderijo e guerrilha durante contra o exército soviético e posteriormente contra os EUA. Quanto a Morgoth não saia ao campo por agir como um rei se formos olhar de um ponto de vista, mas ao mesmo tempo por medo e concordo que poderia ter-se feito como Júlio César com cercos. De fato o Senhor do escuro se provou tenaz e calculista nas suas estratégias, isso ficará claro na minha análise da Guerra de Gondolin.
Obrigado pelo comentário, tão isso mostra o quanto se interessa pelo tema.
Ótimo texto! Uma leitura muito atenta da Batalha das Lágrimas Inumeráveis, acredito que há possibilidades de se fazer um paralelo do Livro dos 5 Anéis com algumas outras batalhas, seria muito interessante.
Ora ora você leu O livro dos cinco anéis de Musashi, eu li mas não consigo ver nada de tolkien nele, o livro de Musashi a meu ver não trata de estratégia de guerra em si, mas para duelos e na obra ele trata do estilo que ele criou e sempre focado em espadas, além do livro ter um filosofia oriental e eu não consigo ver em Tolkien. Quero usar esse livro para trabalhar com mangá.