Análise da Guerra na Queda de Gondolin a partir da perspectiva de Sun Tzu

Patrick Queiros

Conforme afirmamos neste artigo, de acordo com a obra A Arte da Guerra (séc. III a.C.), de Sun Tzu, há cinco tipos de espiões a poderem ser empregados: nativos, internos, duplos, dispensáveis e vivos. Destes, o personagem tolkieniano Melkor (em versões antigas, grafado como Melko), o Senhor do Escuro, utiliza-se de dois tipos em A Queda de Gondolin. Um deles são, “os agentes vivos”, que são aqueles que podem voltar com informações. Dessa forma Melkor reuniu um poderoso exército de espiões do tipo agentes vivos, em seus salões e ordenou que buscassem a morada oculta dos Noldoli, e entre esses espiões convocados estavam:

[…] filhos dos Orques havia, com olhos amarelos e verdes como os de gatos, que conseguiam varar todas as trevas e enxergar através da bruma, da névoa e da noite; serpentes que conseguiam ir a qualquer lugar e vasculhar todos os buracos ou as mais profundas covas ou os mais altos picos, escutar cada sussurro que corria pela grama ou ecoava nos montes; lobos havia e cães famintos e grandes doninhas cheias de sede de sangue, cujas narinas podiam seguir cheiros com várias luas de idade através da água corrente, ou cujos olhos encontravam entre o cascalho pegadas que ali estavam já fazia uma vida; corujas vieram e também falcões cujo olhar aguçado podia divisar de dia ou à noite […]. (TOLKIEN, 2018, p. 62)

De acordo com Sun Tzu, dentre as características dos espiões vivos estão: “de coração duro, ágeis, vigorosos, resistentes e corajosos, conhecedores de coisas baixas, capazes de agüentar a fome, o frio, a sujeira e a humilhação.” (TZU, 2001, p. 121). Pode-se notar que o exército de espiões que foi convocado por Melkor tem relação com a descrição acima, já que como bem sabemos os orques são de coração duro, conhecedores de coisas baixas e capazes de aguentar a humilhação, como normalmente recebem de seu senhor. Os cães estavam famintos, logo são capazes de suportar a fome, tornando esses seres adequados para serem espiões vivos. Estes desempenharam dois papéis fundamentais na preparação para guerra, o primeiro diz respeito descobrir a localização da cidade de Gondolin, e a segunda referente à captura de Maeglin (em versões antigas, Meglin).

 O sobrinho de Turgon e comandante da Casa da Toupeira em uma de suas buscas por minério em meio às montanhas, fora capturado pelos orques e, temendo pela sua vida, pediu para ser levado a Melkor, pois teria informações úteis, movido pela inveja da aceitação de Tuor pelo Rei e pelo povo e pelo ciúme de ele ter desposado Idril. Chegando aos salões escuros, Maeglin faz um acordo com o Senhor do Escuro, tornando-se um espião de Melkor. Essa postura do sobrinho de Turgon se relaciona com o que Sun Tzu chama de “Agentes internos, são oficiais inimigos que nos servem” ( 2001, p. 118). Dessa forma,

Melko, ajudado pela ardileza de Meglin, fez seus planos para a derrocada de Gondolin. Nisso a recompensa de Meglin devia ser uma grande capitania entre os Orques (Melko, contudo, não pretendia em seu coração cumprir tal promessa), mas Tuor e Eärendel ele deveria queimar e dar Idril aos braços de Meglin (tais promessas aquele maligno de bom grado cumpriria). Contudo, para proteger-se de qualquer traição, Melko ameaçou Meglin com o tormento dos Balrogs. (TOLKIEN, 2018, p.68)

Preparação para Guerra

De acordo com o tratado militar do general chinês, para uma operação de guerra são necessários carros rápidos, cavalos, juntar provisões e fazer armaduras para milhares de soldados. Esses preparativos podem demorar de meses ou anos, e não é diferente quando se analisa a preparação em Angband e Gondolin para a guerra. Após as informações dos espiões, Melkor demorou sete anos para estar pronto, para a guerra. Durante esse tempo o Senhor do Escuro fez os Noldoli cavarem em busca de metais, enquanto convocava as chamas, reuniu:

[…] todos os seus ferreiros e feiticeiros mais sagazes e, a partir de ferro e chama, fizeram uma hoste de monstros tal como só naquele tempo se viu e não há de ser vista de novo até o Grande Fim. Alguns eram todos de ferro, tão habilmente encadeados que podiam fluir como rios lentos de metal, ou se enrolar em torno e por cima de todos os obstáculos diante deles, e esses, em suas profundezas mais recônditas, eram cheios dos mais vis Orques, armados com cimitarras e lanças; a outros, de bronze e cobre, foram dados corações e espíritos de fogo ardente e incineravam tudo o que havia diante deles com o terror de seu hálito ou pisoteavam o que quer que escapasse do ardor de sua respiração; ainda outros eram criaturas de chama pura que se retorciam como cordas feitas de metal derretido e levavam à ruína qualquer matéria da qual se aproximavam, e o ferro e a pedra derretiam diante deles e tornavam-se como água, e sobre eles cavalgavam os Balrogs às centenas; e esses eram os mais temíveis de todos os monstros que Melko criara contra Gondolin.(TOLKIEN, 2018, p.69–70)  

Como bem sabemos, alguns dragões e outras criaturas demoram alguns anos para se desenvolver e crescer até estarem prontos para batalhar, podendo-se explicar esses sete anos de preparação, além da cata de minérios para construir armas e armaduras para seu exército. No entanto, do lado de Gondolin, pode ser percebido certo desleixo nesse sentido, pois quando Turgon percebeu que a cidade estava sendo vigiada por Melkor, ordenou que:

“[…] a vigia e a guarda ganhassem força triplicada em todos os pontos e que máquinas de guerra fossem fabricadas por seus artífices e colocadas no alto do monte. Fogos venenosos e líquidos escaldantes flechas e grandes pedras, estava ele preparado para despejar sobre qualquer um que quisesse assaltar aquelas muralhas brilhantes; e depois disso viveu tão contente quanto seria possível” (TOLKIEN, 2018, p. 63, grifo nosso.)

Turgon fortalece a vigilância (Alan Lee)

Turgon e os homens de Gondolin acreditavam que o Senhor do Escuro havia desistido, ao perceber que não conseguiria invadir as muralhas e então parou de se preocupar e continuar o preparo para um possível ataque, sendo este um dos erros cometidos.

O Ataque a Gondolin

De acordo com o autor um General deve atacar onde “[…] o inimigo não estiver preparando. Executai as vossas investidas, somente quando não vos esperar” (TZU, 2001, p. 32) e isso Melkor, enquanto General, faz de maneira incrível, ele diminui a vigia sobre Gondolin, para lhes dar esperança e fazer com que seus inimigos baixassem a guarda. E ataca durante a grande festa, Tarnin Austa ou os Portões do Verão, pois sabia que era o costume deles começar uma cerimônia solene à meia-noite, logo Melkor ataca justamente quando os Gondothlim não esperavam, além disso, ele sabia — provavelmente através de Maeglin — que, por vários anos, a chegada do verão tinha sido recebida, com música de corais que ficavam sobre a cintilante muralha do Leste, baseado nessa informação ele manda seu exército atacar inicialmente pelo Norte. Podendo ser comprovado, pelo seguinte trecho, em que os Gondothlim:

[…] olhando com expectativa para o Leste. Eis que, quando ele partira e tudo estava escuro, uma nova luz subitamente apareceu e um brilho havia, mas vinha das elevações ao norte, e os homens espantaram-se e juntou-se uma multidão nas muralhas e ameias. Então o assombro foi virando dúvida conforme a luz crescia e ficava ainda mais vermelha e virou terror essa dúvida quando os homens viram a neve sobre as montanhas ser tingida como se fosse por sangue. E assim foi que as serpentes-de-fogo de Melko caíram sobre Gondolin. (TOLKIEN, 2018, p. 72)


No que diz respeito a métodos de ataque com fogo, “Há, tempos convenientes e dias apropriados para se atearem fogo” (TZU, 2001, p. 115). Melkor espera a passagem do inverno e primavera, para atacar durante o festival Tarnin Austa, ou seja, o início do verão de modo que os ataques de fogo de suas serpentes e outros seres obtivessem maior êxito.


As Hisings dos Inimigos

Hising significa “disposição ou formato” e diz respeito à forma que os exércitos tomam durante uma guerra. No livro A Queda de Gondolin pode ser visto “os peritos na elaboração de defesa entendem ser fundamental o contar com o poder de obstáculos, como montanhas, rios […] escondem-se o mais secretamente possível” (TZU, 2001, p. 54).

Podendo ser percebido alguns elementos dessa formação de defesa, visto que Gondolin é uma cidade secreta, cumprem o quesito de ocultar o máximo possível, além disso, é cercada por montanhas, que são obstáculos geográficos, especialmente em meio ao ataque.

No que diz respeito ao exército de Melkor, pode ser percebido uma formação ofensiva, de acordo com Sun Tzu “os que são peritos em ataque entendem ser fundamental, ter em conta estações do ano e as vantagens do terreno, servem-se das inundações e do fogo conforme a situação tornam impossível ao inimigo saber onde se preparar.” (2001, p. 54).  Tais fatos, já foram explicados anteriormente, referentes à estação do ano escolhida — o verão —, ao dia do ataque para pegá-los desprevenidos — uma festividade — e ao uso do fogo para vencer o inimigo.

Da Guerra Dentro da Cidade à sua Queda

Segundo A Arte da Guerra, há cinco métodos de se atacar com o fogo, com o primeiro queima-se gente, com o segundo, as provisões, com o terceiro, equipamentos, com o quarto arsenais, e com o quinto, servem-se de mísseis incendiários. Destes Melkor utiliza-se do primeiro e do quinto tipo de ataque com o fogo, podendo ser demonstrado quando:


Duilin da Andorinha, enquanto disparava das muralhas, foi atingido por uma seta de fogo dos Balrogs que saltavam à volta da base do Amon Gwareth; ele caiu das ameias e pereceu. Então os Balrogs continuaram a lançar dardos de fogo e flechas flamejantes feito pequenas serpentes no céu, e esses caíam sobre os tetos e jardins de Gondolin até que todas as árvores foram incineradas e as flores e a grama queimaram e a brancura daquelas muralhas e colunatas enegreceu e foi destruída; contudo, pior ainda foi que uma companhia daqueles demônios subiu nas volutas das serpentes de ferro e de lá disparou sem cessar de seus arcos e fundas até que um incêndio começou a arder na cidade às costas do principal exército dos defensores. (TOLKIEN, 2018, p. 80)

A Torre do Rei cai (Alan Lee)


Então, Rog o líder da Casa do Martelo da Fúria, incita raiva em seus homens dizendo:
“Quem agora há de temer os Balrogs, apesar de todo o seu terror? Vede diante de nós os malditos que por eras atormentam os filhos dos Noldoli e que agora põem fogo às nossas costas com seus disparos” (TOLKIEN, 2018, p. 81), então seus guerreiros saltaram sobre as serpentes e chegaram aos Balrogs e mataram vários deles, um feito memorável, pois até aquele dia nenhum Balrog tinha sido morto pelas mãos de Elfos ou Homens.
Essa era uma estratégia bastante utilizada na época de Sun Tzu, pois, segundo ele, “um dos principais motivos pelo qual as tropas abatem o inimigo, está no fato de se sentirem enraivecidas” (TZU, 2001, p. 39).

Vendo essa perda, Gothmog, Senhor de Balrogs, reuniu todos os seus demônios e organizou a formação de orques e Balrogs, e uma companhia mais numerosa, apressando-se pelos flancos, chegou à retaguarda separando Rog de parte de seus homens, impedindo-os de se encontrarem. Assim, Gothmog realizou duas estratégias de Sun Tzu, primeiro dividindo seu inimigo e depois utilizando de forças especiais — de Orques e de Balrogs — para acabar com povo do martelo da Ira. No momento em que o lado do Senhor do Escuro parou para se reorganizar e proteger o que tinham conquistado, Ecthelion e o povo da fonte vieram e mataram mais dos gobelins do que os que jamais caíram em todas as batalhas dos Eldalië, e a eles se juntaram os homens da asa de Tuor, serpentes bronze empurraram o muro do Oeste, e uma grande massa dele tremeu e tombou, entrando assim vários Balrogs e serpentes. Em meio essa batalha, Ecthelion matou três Balrogs, mas se machucou, e Tuor recuou diante do adversário, lutando conforme cedia terreno, e salvou, naquela batalha, Ecthelion da Fonte, mas os dracos e inimigos dominaram metade da cidade e todo o norte dela.

No quesito preparação dos soldados para guerra, Sun Tzu diz que“[…] Se os oficiais não estiverem rigorosamente preparados preocupar-se-ão e hesitarão no campo de batalha […]” (2001, p. 28). Entre as diversas coisas que podem ser observadas, está o despreparo de Salgant líder da Casa da Harpa, que não ajuda os Gondothlim durante a guerra, se alia a Maeglin que confia a Salgant a tarefa de atrasar Tuor, enquanto ele vai atrás de Idril. E eis que Salgant, em meio a um terror mortal, cavalgou para casa e lá continuou trêmulo em sua cama, deixando o povo da casa da Harpa sem liderança.

Depois de muita batalha, reuniram-se na praça do rei, resquícios da guarda da Asa, das casas da Árvore e da Fonte, da Andorinha e do Arco, unidos em um bom batalhão, e depois vieram os homens da Harpa que Salvaram Glorfindel. Mesmo sem aviso, caíram com grande avidez e redimiram totalmente a covardia de seu senhor, no entanto, muitos pereceram sem a liderança adequada. Já Egalmoth, da casa do Arco Celestial, reuniu alguns do Arco e da Andorinha à sua volta e, com eles, andou pela cidade, em meio as lutas, resgatando muitos grupos de cativos e homens que vagavam confusos. Diante desse quadro, lembramos que uma das estratégias de combater o inimigo, sendo Tzu é “Mantenha-no sobre tensão e cansem-no” (TZU, 2001, p. 31). Essa estratégia foi utilizada pelo exército de Melkor quase o tempo todo, desde o momento que adentraram as muralhas, realizaram uma perseguição constante sem oferecer tempo para que o exército de Gondolin pudesse se organizar, descansar ou realizar uma fuga maciça.

No entanto, um dos grandes erros cometidos pelo Senhor do Escuro durante a guerra ocorreu quando os soldados de Melkor reuniram suas forças, e sete dragões de fogo vieram com orques à sua volta, e Balrogs montavam neles vindos de todos os caminhos, cercando a praça do rei. Segundo os preceitos da guerra, não se deve pressionar um inimigo acossado, pois “[…] sabendo não haver escapatória, combatem até a morte.” (TZU, 2001, p. 81). Dentre as consequências desse erro, estão a morte de Gothmog, senhor de Balrogs, e a perda de quarenta dos Balrogs, além disso, levaram um draco de fogo a morrer nas águas das fontes da praça do rei.

De acordo com Sun Tzu, quando se está em um contingente numérico inferior, e o inimigo é forte para você, o correto é recuar. E é justamente o que o Rei Turgon ordena: “Não luteis contra o destino, ó meus filhos! Buscai, vós que podeis, a segurança da fuga, caso ainda haja tempo, mas que vossa lealdade caiba a Tuor.” (TOLKIEN, 2018, p. 89). E desta forma, teve fim a guerra de Gondolin, com a queda do rei, que se recusou a fugir, mas um grupo conseguiu fugir pelo túnel secreto construído por Tuor e Idril.

Conclusão

Tais considerações sobre estratégias bélicas mostram, seja em nossa realidade, seja na ficção, o quanto é importante manter-se sempre preparado para a guerra, sem baixar a guarda. Cabe ao líder manter a integridade das tropas, permitindo-as estar sempre aptas para o conflito, pois este é inevitável.


Referências
TOLKIEN, J.R.R. A Queda de Gondolin. Tradução: Reinaldo José Lopes. Rio de Janeiro: HarperCollins, 2018.
TZU, Sun. A Arte da Guerra. São Paulo: Martin Claret, 2001.


Patrick Queiros é formado em psicologia pelo Centro Universitário UniRuy Wyden e é Thain da Toca-BA.


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