Por Lorena S. Ávila
Sob as ruínas fascinantes das grandes monarquias do mundo, escondem-se histórias tão extraordinárias quanto chocantes, que nem o mais criativo dos trovadores poderia inventar com tantos detalhes. Mas, talvez, a mais curiosa dessas histórias seja a da rainha Mary Stuart, a monarca que herdou três reinos por legitimidade e a única que, no fim das contas, não reinou em nenhum.
Se o fato já é assombroso por si só, principalmente quando falamos de uma época em que a figura de um soberano estava abaixo apenas de Deus, os meandros que circundaram essa trágica saga são ainda mais temerosos: traições, conspirações, inveja, amores proibidos, intrigas e, por fim, um assassinato brutal. Essa combinação chocante na vida da rainha foi ironicamente o que a fez atravessar os séculos como mártir, mantendo sua figura imaculada aos olhos dos poetas, dramaturgos, romancistas, cronistas e roteiristas que se incumbiram de retratar sua versão.
O famoso escritor Alexandre Dumas, conhecido pela obra de ficção O Conde de Monte Cristo, também se dedicou a contar essa narrativa na sua coletânea de biografias chamada Crimes Célebres, cujo título Mary Stuart foi recém publicado no Brasil pela editora Wish. Para os leitores ávidos por histórias da realeza, o livro de Dumas é completo, reunindo informações importantes, fruto de uma pesquisa primorosa, apresentadas num texto envolvente em tom romancista.

No cerne das fontes consultadas por Dumas, estão documentos oficiais da embaixada, crônicas escritas por Pierre de Brantome (frequentador da corte), cartas pessoais da própria Mary Stuart, entre outros materiais ricos e contundentes. O processo de imersão do escritor, foi explicado em detalhes pelo historiador e fundador do blog Rainhas Trágicas, Renato Drummond Tapioca Neto, que assina o prefácio desta nova edição nacional.
Herdeira legítima do trono da França por seu casamento com o Rei Francisco II, do trono da Inglaterra por seu parentesco com o rei Henrique VIII e do trono da Escócia por ser filha do rei James V, Mary simbolizava o status máximo de poder na Europa durante o século XVI, disputando esse espaço apenas com Elizabeth I, rainha da Inglaterra e consequentemente sua algoz. Com a ascensão da ungida aos 19 anos, o continente de nobres abutres encontrou em suas falhas políticas uma brecha para sustentar interesses pessoais e, assim, sua queda já era articulada antes mesmo de reinar.

Dumas inicia essa trágica jornada com o momento em que Mary é obrigada a deixar a França, após a morte de seu marido, para voltar ao seu país natal, a Escócia. Criada desde pequena na corte francesa, devido ao falecimento precoce de seu pai, deixar o país que a criou, bem como seu povo, significou um exílio para a jovem rainha. E esse seria apenas o começo de suas frustrações.
As frias terras escocesas eram muito diferentes dos campos coloridos da França, como a própria Mary retrata em seus poemas melancólicos; não só isso, a cultura do povo, bem como a fé religiosa, nem sequer se assemelhavam. À sua espera, Mary encontrou uma comitiva de homens rústicos e um povo indisciplinado, marcado por conflitos políticos entre clãs, dos quais ela tinha apenas estudado, mas com os quais nunca havia convivido nem enfrentado.
Nem tudo o que ela tinha de mais admirável, já que é descrita como uma mulher inteligente, prendada e belíssima, fora o suficiente para conquistar o respeito dos highlanders. Pelo contrário, sua feminilidade e seu jeito impulsivo e emocional, eram, de acordo com historiadores, o seu ponto fraco. Dumas não retratou nada diferente no que tange a personalidade de Mary: ele a descreve com doçura e prudência, exaltando suas qualidades mais notáveis e sua intensa devoção à fé católica, outro pivô das desavenças com as cortes escocesa e inglesa, respectivamente protestante e anglicana.
Apesar de sagaz, Mary tinha pouca articulação política. Seu destino foi moldado por decisões incoerentes e envolvimentos perigosos; os seus poucos apoiadores foram sucumbindo um a um, muitos assassinados de modo brutal como David Rizzio e George Douglas. Outros, na tentativa de ajudá-la, acabaram por empurrá-la mais depressa à morte. Mary quase não tinha aliados e sempre depositava uma confiança ingênua em homens que faziam questão de controlar seus passos e deixar rastros.
Já Elizabeth I, filha de Henrique VIII e Ana Bolena, é vista como uma mulher invejosa, mal-amada, cheia de caprichos, que fez de tudo para se livrar daquela que era uma ameaça ao seu trono e, principalmente, ao seu ego. O relacionamento nublado das duas rainhas deixou muitas lacunas, já que elas nunca se encontraram e só se correspondiam por mensageiros e cartas. Mesmo Mary tendo sido prisioneira de Elizabeth I por quase vinte anos, as duas nunca tiveram nem ao menos uma audiência diplomática.

Mas, para muito além do ódio secreto que envenenou o coração das primas, cuja cumplicidade poderia ter sido muito mais vantajosa, há uma rede de intrigas tecida por homens de frágil masculinidade, intolerantes e insubmissos ao governo de mulheres poderosas. E, ainda que o machismo não fosse uma questão à época, mulheres como Mary e Elizabeth são, até hoje, grandes símbolos femininos, que lutaram contra a opressão masculina mesmo ocupando o maior posto do mundo.
A narrativa de Dumas é considerada uma das mais verossímeis nesse aspecto, porque ao realizar a leitura, é possível identificar cada peça que compôs o enredo trágico de Mary Stuart. Apesar de não ser tão enfático em relação ao machismo, sua descrição realista nos permite ter uma percepção honesta dos fatos e enxergar os acontecimentos que sucederam de forma ampla. As incompetências de Mary, somadas à sua inexperiência e ao grande complô envolvendo seus conselheiros, nobres e até pessoas de sua linhagem, foi o que a guiou para o cadafalso.
Talvez, o que faltava em Mary Stuart era justamente o que sua rival tinha de sobra; uma dose de crueldade. Impiedosa, Elizabeth I sempre entendeu que a Coroa tem vida própria e que ela mesma era apenas a pessoa escolhida para carregar essa vida. Não seria exagero afirmar que a monarquia inglesa se fortaleceu e sobreviveu até hoje seguindo à risca essa premissa.
Assim, a pavorosa Elizabeth reinou e aterrorizou os homens e os súditos, tal qual seu pai. Teve um reinado longo de mais sucessos do que falhas, condenando à morte a única pessoa no mundo que poderia arrancar-lhe essa conquista: Mary Stuart. Acusada de conspirar contra a vida de Elizabeth I, a rainha da Escócia foi enfim sentenciada por traição.
Coragem é a única palavra possível para definir a jornada de uma mulher que passou metade da vida em cativeiro, assistiu à morte de seus amigos e amantes, teve o único filho arrancado de seus braços e, por fim, encarou sua própria decapitação com assombrosa firmeza, sem se desviar de seus valores ou afrouxar sua nobre postura.Mary Stuart, de Alexandre Dumas revela mais sobre a mulher por trás da rainha e a consagra como heroína da resistência.

Mary Stuart
★★★★☆
Autor: Alexandre Dumas
Tradutora: Cláudia Mello Belhassof
Editora: Wish
Brochura, 256 páginas

Lorena S. Ávila é jornalista, formada pela Universidade Metodista de São Paulo.
Tenho que dizer mesmo que já tenha lido a biografia de Mary Stuart escrita por Stefan Zweig sua resenha foi tão interessante que me deixou com muita vontade de ler a história de Mary Stuart novamente ,mas agora pelo olhar de Duma.