Revisitando o tema Raça no Legendarium de Tolkien: Construindo Culturas e Ideologias em um Mundo Imaginário

Por Dimitra Fimi
Tradução: Cristina Casagrande

Esta palestra foi proferida como um tema central em 2012, na conferência Políticas de Fantasia Contemporânea, na Universidade de Wurtzburgo, Alemanha. Ela revisita as principais ideias que explorei no meu livro Tolkien, Race and Cultural History (2008) e acrescenta alguns pontos novos. Eu o estou lançando hoje [dezembro de 2018] para celebrar o 10º aniversário do meu livro e para oferecer aos leitores o ponto central da minha abordagem sobre Tolkien e raça, um assunto que continua aparecendo na mídia.

Uma das principais atrações do mundo inventado da Terra-média é que ele é habitado por uma grande variedade de povos, cada um com sua própria história, língua e cultura. Os três principais seres da cosmologia de Tolkien, elfos, anãos e homens, são subsequentemente divididos em subcategorias determinadas por fatores linguísticos, culturais e históricos. Ao mesmo tempo, os povos “maus” da Terra-média, os orques e os homens aliados a Melkor ou Sauron, são parcialmente derivados desses três grupos principais, e são também divididos em subgrupos e categorias. Embora esses grupos culturais sejam um aspecto fascinante da mitologia de Tolkien, relacionado à construção de um fundo histórico simulado e a como o bem e o mal são definidos e tratados no legendarium inteiro, a própria existência deles traz uma série de perguntas espinhosas para os leitores e os acadêmicos de Tolkien, que se tornaram ainda mais emaranhadas e confusas com a recente adaptação cinematográfica de O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson. Algumas dessas perguntas incluem o seguinte:

  • Por que existem hierarquias avaliativas na Terra-média, como elfos, que são seres “superiores” aos homens, e os Númenórianos, que são mais “nobres” que os outros homens?
  • Por que os homens aliados às forças do bem (Rohirrim, gondorianos etc.) são geralmente de pele branca, enquanto os homens maus (Sulistas, Orientais, Haradrim etc.) têm a pele escura?
  • Por que os orques são invariavelmente descritos como tendo olhos puxados e sendo morenos e de pele acobreada?
  • As mitologias germânicas que embasaram a mitopeia de Tolkien levaram à representação de personagens heroicos como tipos “arianos” brancos?
  • Por que as organizações neofascistas e os neonazistas endossaram O Senhor dos Anéis?

Existem muitos trabalhos acadêmicos que abordam essas questões em termos de medievalismo ou que lhes dão tons positivos, alegando multiculturalismo em Tolkien. No entanto, os escritores mais francos que abordaram essas questões são os acadêmicos e os jornalistas que acusam Tolkien de racismo e preconceito racial. Os casos de John Yatt (2002), que escreveu para The Guardian, e do professor Stephen Shapiro da Universidade Warwick, que foi entrevistado para o The Scotsman (Reynolds e Stewart, 2002), ganharam manchetes e ainda são muito discutidos nos fóruns de internet e comunidades de fãs online.

Como ocorre frequentemente com a obra de Tolkien, a perspectiva crítica do medievalismo oferece alguns pontos fecundos em termos de representação de raça no legendarium. No contexto de um mundo pseudomedieval, o mundo hierárquico de Tolkien faz bastante sentido. É evidente que, na Terra-média, existe uma hierarquia de diferentes seres antropomórficos, com os elfos no topo, e os orques na base. Tolkien se referiu claramente à classificação de suas “raças” inventadas em sua carta a Milton Waldman de 1951, em que ele enfatiza o status diferente dos elfos Noldor na Terra-média e em Valinor respectivamente. Comentando sobre a “longa permanência” dos Noldor na Terra-média, durante a Segunda Era, ele escreve:

Não havia nada essencialmente errado na longa permanência deles, contrariando os aconselhamentos […]. Mas eles quiseram ficar com o bolo sem comê-lo. Eles quiseram a paz e a bem-aventurança e a memória perfeita do “Oeste”, e ainda assim permanecer na terra ordinária onde o seu prestígio como o povo mais elevado, acima dos elfos selvagens, anãos e homens, seria maior do que no patamar mais baixo da hierarquia de Valinor.

(Letters, p. 151, grifo nosso)

Começando por esse claro reconhecimento de um mundo secundário hierárquico, especialmente um mundo inventado que é amplamente medieval em inspiração e configuração, a validade da “Grande Cadeia de Ser”, refletindo a visão do mundo medieval da hierarquia cósmica, dificilmente nos surpreende.

A “Grande Cadeia do Ser” medieval era uma visão poderosa da metáfora visual que representava a ordem hierárquica planejada divinamente, classificando todas as formas de vida de acordo com a proporção de “espírito” e “matéria”.  Quanto mais “espírito” e menos “matéria” uma forma de vida continha, mais elevada ela era colocada na cadeia. Como é de se esperar, o próprio Deus estava no topo da cadeia, seguido dos anjos, homens, animais e, finalmente, as plantas e as pedras.  

Que Tolkien concebeu a Terra-média nesse estilo hierárquico “medieval” fica evidente em um dos seus manuscritos linguísticos antigos, editado postumamente e publicado no periódico Parma Eldalamberon. No documento conhecido como “Early Qenya Fragments” [Fragmentos Primitivos em Qenya], Tolkien apresenta sua “reorganização hierárquica de sete categorias dos seres” da mitologia (Early Qenya Fragments, p. 7): os Valar e sua gente no topo, seguidos pelas Fatas [Fays] (que mais tarde se tornaram os Maiar) e então os elfos e as fadas (nesse estágio da mitologia, esses dois termos eram usados de forma intercambiável) e os Filhos dos Homens “que, portanto, ocupavam o lugar do meio em sete ordens” (Early Qenya Fragments, p. 10). As três últimas categorias são os “Terrenses” (incluindo os anãos, que, naquela época, eram um povo mau), as “Bestas & Criaturas” (que aponta para o mundo animal) e finalmente os “Monstros”, incluindo criaturas de Morgoth, compreendendo principalmente orques e demônios (Early Qenya Fragments, p. 10).

Assim como a hierarquia cósmica medieval, está claro que os critérios de classificação de Tolkien são morais e espirituais. Os seres aliados a forças do bem estão mais ao alto dessa cadeia, enquanto as criaturas de Morgoth, intrinsecamente más nas versões primitivas da mitologia, estão na parte mais baixa.

Essa “cadeia dos seres” primitiva pode ser comparada, ademais, com a classificação de Tolkien das três diferentes subdivisões dos elfos em sua carta de 1954 a Naomi Mitchison, em que é evidente que os “Elfos Menores” (chamados Avari em O Silmarillion) são inferiores aos Eldar em sentido teológico:

Eles [os elfos] são representados como tendo se dividido inicialmente em dois ou três variedades. 1. Os Eldar que ouviram a convocação dos Valar ou Poderes para passar da Terra-média sobre o mar para o Oeste; e 2. os Elfos Menores que não responderam a ela. A maioria dos Eldar, depois de uma grande marcha, alcançou as Costas Orientais e passou sobre o Mar; esses eram os Altos Elfos, que se tornaram imensamente elevados em poderes e conhecimento. Mas, durante esse evento, parte deles se manteve nas terras costeiras do Noroeste: esses eram os Sindar ou os elfos-cinzentos. Os elfos menores mal aparecem, exceto como parte do povo do reino élfico; do Norte de Trevamata, e de Lórien, governado pelos Eldar.

(Letters, p. 176)

Similarmente, no Silmarillion publicado, diz-se dos Avari (traduzido como os “Indesejosos”) que recusaram o chamado quando convocados a Valinor, “preferindo a luz das estrelas e os vastos espaços da Terra-média ao rumor das Árvores” (O Silmarillion), e Tolkien comenta em uma carta posterior que eles “fizeram sua escolha irrevogável, preferindo a Terra-média ao paraíso” (Letters, p. 198).

Finalmente, a “cadeia do ser” primitiva de Tolkien pode ser comparada ao poema de Barbárvore, quando ele descobre Merry e Pippin na floresta de Fangorn (The Two Towers, p. 464):

Treebeard, Alan Lee

“Prezem o preceito dos Povos Vivos!
Quem são os quatro, que são livres:
Filhos de elfo, os mais antigos;
Cavam cavernas, os anãos;
Velhos viventes, ents da terra;
Homens mortais, mestres ginetes”

O poema reconta as “listas antigas” que oferecem outra hierarquia avaliativa de diferentes seres da Terra-média, dos superiores para os mais inferiores. É interessante notar que os critérios para a primeira “cadeia” de Tolkien mudou ligeiramente na própria classificação de Barbárvore: ele menciona os Ents bem elevados na hierarquia, mas não inclui os hobbits de forma alguma!

A menção, na “Batalha dos Campos do Pelennor”, a “homens negros como meio-trols” certamente soa como racista. Acho que eu diria aqui que Tolkien, nesse ponto, está tentando escrever como um cronista medieval, e quando os europeus medievais encontraram, pela primeira vez, os africanos subsaarianos, ficaram genuinamente confusos sobre eles, e muito assustados. Como Tolkien apontou em seus primeiros trabalhos acadêmicos, os ingleses antigos pareciam acreditar em demônios de fogo, que naturalmente tinham a pele como fuligem — a palavra que eles davam para eles, “harwan”, é relacionado ao latim “carbo”, “fuligem” ou carbono. Um anglo-saxão que encontrasse um africano pela primeira vez pode então realmente se perguntar (por um momento, a certa distância) se ele era um demônio de sua própria mitologia. Isso não significa que Tolkien partilhava da mitologia ou do engano.

(Shippey, 2001).

Os “primeiros trabalhos acadêmicos” de Tolkien que Shippey menciona se referem ao seu ensaio em duas partes ‘Sigelwara Land’ [Terra dos Sigelwara], publicado no periódico Medium Aevum, em que Tolkien explora o termo em inglês antigo Sigelhearwan, traduzido como “etíopes”.

Conquanto satisfatória seja a resposta que a abordagem “medieval” dá às perguntas espinhosas com que iniciei essa palestra, ela não é suficiente por si mesma. O mundo de Tolkien está imerso na literatura e na cultura medievais, mas Tolkien era um homem que viveu a maior parte do tempo no século 20 e que (ao contrário da mitologia popular) não estava alheio ao que acontecia ao seu redor. O termo “Raça” mudou em sentido e denotações durante sua vida e é importante explorar a sua experiência antes que decidamos se discutir “racismo” na obra de Tolkien é sequer um tópico válido, dado o ambiente cultural e intelectual em que sua obra foi produzida.

Em meu livro (Fimi, 2008, pp. 132-35), eu discuti esse tópico à luz da antropologia “racial” vitoriana e eduardiana: suas principais características, sua ideologia, sua base científica, duas de suas mais importantes tendências (Darwinismo Social e Movimento Eugenista) e seu colapso final e descrédito por volta da Segunda Guerra Mundial (cf. Fimi, 2008, pp. 132-135). É importante enfatizar que dividir seres humanos em “raças” com características biológicas fixas e associar esses traços físicos a habilidades mentais específicas era considerado não apenas natural, mas também cientificamente comprovado e apoiado no século 19 e início do 20. Foi o darwinismo social que extrapolou a teoria da evolução de Darwin e reduziu suas descobertas ao simples lema de “os mais aptos sobrevivem”. Ao mesmo tempo, os projetos eugenistas de encorajar raças “mais evoluídas” a procriar e desencorajar as “menos evoluídas” eram inicialmente abraçadas de maneira entusiasmada por muitos cientistas convencidos de que estavam apenas acelerando um processo “natural”. Foi assim até que as atrocidades da Segunda Guerra Mundial trouxeram à tona desacordos científicos, e a comunidade científica declarou que “raça” era um mito, um assunto apenas para a biologia e a genética e não para a antropologia e a etnologia.

A visão de Tolkien sobre “raça” mudou ao longo de sua vida, junto com as ideias e tendências intelectuais de seu tempo. Essa mudança gradual das visões de Tolkien pode ser demonstrada uma seleção de citações de vários escritos por Tolkien durante diferentes períodos. Considere, por exemplo, o excerto chocante (para as nossas sensibilidades modernas) de um artigo da revista escolar de Tolkien, a King Edward’s School Chronicle. O artigo traz um relato do Debate Aberto Anual, em que se diz que Tolkien, aos 19 anos, apoiou a (irônica) moção de “Que os trabalhos atribuídos a William Shakespeare foram escritos por Francis Bacon”. De acordo com o relato do periódico, Tolkien derramou

uma enxurrada repentina de ofensas injustificadas sobre Shakespeare, sobre seu local de nascimento imundo, seu ambiente esquálido e seu caráter sórdido. Ele declarou que acreditar que tão grande gênio tenha surgido em tais circunstâncias nos força a acreditar que uma criança europeia de cabelo loiro poderia ter um pai papuásio prógnato e de cabelo lanoso.

(Anônimo, 1911, p. 43)

Compare esse excerto, que reproduz aproximadamente todos os estereótipos de antropologia racial vitoriana, com declarações de Tolkien antinazismo alemão e sua ideologia “ariana” em sua carta 1938 a Stanley Unwin, a respeito da proposta de tradução alemã de O Hobbit de Rütten & Loening Verlag:

Pessoalmente, eu estaria inclinado a recusar a dar qualquer Bestätigung [isto é, confirmação de sua origem “ariana”] (embora eu possa), e deixar uma tradução alemã suspensa. De qualquer modo, eu objetaria fortemente a qualquer declaração dessa natureza que aparecesse impressa. Eu não considero a (provável) ausência completa de sangue judeu como necessariamente honrosa; e tenho muitos amigos judeus e eu me arrependeria de dar qualquer indício de que aprovo a doutrina racial totalmente perniciosa e não científica.  

(Letters, p. 37)

Mas se devo entender que você está me perguntando se eu sou de origem judaica, posso apenas responder que eu lamento por aparentemente não ter ancestrais daquele povo dotado… a maior parte de minha descendência é… puramente inglesa… me acostumei, no entanto, a olhar para meu nome alemão com orgulho e continuei a fazê-lo durante a última e lamentável guerra, em que servi o exército inglês. Eu não posso, porém, deixar de comentar que se investigações impertinentes e irrelevantes desse tipo se tornarem a regra em matéria de literatura, então não está longe o dia em que um nome alemão não será mais um motivo de orgulho.

(Letters, pp. 37-8)

Compare também a sua carta de 1941 a Michael Tolkien, referindo-se à Guerra, que àquela altura já estava tempesteando:

De qualquer modo, nessa Guerra eu tenho um rancor pessoal ardente… por aquele completo ignorantezinho Adolf Hitler… Arruinando, pervertendo, maltratando e tornando para sempre amaldiçoado aquele nobre espírito do norte, uma contribuição suprema para a Europa, que eu sempre amei e tentei apresentar em sua verdadeira luz.

(Letters, pp. 55-6)

Considere finalmente, a reação de Tolkien em 1967 a Charlotte e Denis Plimmer, que escreveram que “a Terra-média… corresponde espiritualmente à Europa Nórdica”:

Não nórdica, por favor! Uma palavra que eu pessoalmente desgosto; é associada… a teorias racistas.

(Letters, p. 375)

A diferença entre os comentários despreocupados do jovem Tolkien, que se enquadram no que a ciência da época teria apoiado, e suas exclamações muito mais acaloradas alguns anos mais tarde, quando realmente importava, visto que ele, de fato, foi instado a assumir uma posição política em relação à ideologia nazista emergente, é impressionante e traz uma discussão muito mais informada da resposta de Tolkien à questão de “raça”.

Ao mesmo tempo, é importante apontar que a própria área de especialidade de Tolkien, a filologia, preservou uma conflação “romântica” e, de certa forma, confuso de língua com “raça”. Para os cientistas e filólogos vitorianos, a linguagem era uma outra ferramenta estimulante para pesquisar a história das “raças humanas”. Os primeiros etnólogos como Prichard e Latham usavam evidências linguísticas em sua classificação de povos, de acordo com o sangue e descendência, e mesmo Darwin, influenciado pelo filólogo Franz Bopp, alegou que uma classificação genealógica precisa das raças dos homens permitiria a melhor categorização das línguas que elas falavam (Alter, 1999, pp. 30-2; ver também Fimi, 2008, p. 138). Vários filólogos usaram o termo “raça” de um modo genérico para se referir a um grupo de pessoas com uma língua e identidade cultural comuns (o que hoje nós chamaríamos de grupos étnicos ou nacionais), mas, mesmo nesses casos, o termo “raça” frequentemente reteve seu sentido avaliativo, sugerindo uma classificação de diferentes pessoas, nações ou culturas.

Essa relação entre uma compreensão filológica da linguagem e um modo avaliativo de olhar as subdivisões dos homens é evidente na mitologia de Tolkien, especialmente em sua construção da Primeira Era da Terra-média, como pode ser visto em uma importante passagem de um ensaio de 1960 de Tolkien, “Dos Anãos e dos Homens”, publicado postumamente. Nesta passagem, a qual discute a linhagem das três Casas dos Homens durante a Primeira Era da Terra-média, as características físicas raciais eram associadas a semelhanças ou diferenças nas línguas faladas pelos Homens de Hador, Bëor e Haleth:

A maior parte [do Povo de Hador] era de pessoas altas, com cabelos dourados ou cor de linho e olhos azul-acinzentados… [e] elas eram parecidas com o Povo de Bëor, como era demostrado pela sua fala… Os elfos mestres do conhecimento eram da opinião de que ambas as línguas eram descendentes de uma só que tinha divergido… A língua de Hador era aparentemente menos alterada e mais uniforme em estilo, enquanto a língua de Bëor continha muitos elementos que eram de caráter estranho. Esse contraste nos falares era provavelmente conectado com as diferenças físicas observáveis entre os dois povos. Havia homens e mulheres de cabelos claros entre os Povos de Bëor, mas a maioria deles tinham cabelo castanho… e muitos eram menos claros de pele, alguns de fato morenos. Homens tão altos como os do Povo de Hador eram raros entre eles, e a maioria era mais larga e mais robusta na constituição… O Povo de Haleth era estranho aos outros Atani, falando em uma língua diferente.

(The Peoples of Middle-earth, pp. 307-8, grifo nosso)

A construção de Tolkien das subdivisões dos homens durante a Primeira Era da Terra-média é bem arrumada e organizada. Há três Casas dos Homens,

a casa de Hador (descrita como “a maior… e a mais amada pelos elfos”), dos que têm “os cabelos amarelos e os olhos azuis em sua maioria”, e “eram de maior força e estatura do que os elfos; rápidos na ira e no riso, ferozes na batalha, generosos aos amigos; ágeis em decisão, jovens no coração, os Filhos de Ilúvatar na juventude da humanidade”.

o povo da floresta de Haleth “não era tão alto; as suas costas eram mais largas e suas pernas eram mais curtas e menos ágeis. Menos ardentes eram seus espíritos; mais vagaroso, mas mais profundo, era o mover de seus pensamentos; suas palavras eram mais frugais, pois encontravam alegria no silêncio, vagando livres na floresta verde, enquanto a maravilha do mundo era nova para eles”.

o povo de Bëor “tinha o cabelo negro ou castanho; seus olhos eram cinzentos e suas faces belas de se olhar; bem torneados eram de forma; e ainda assim resistentes e firmes. Sua altura não era maior que a dos elfos daqueles dias” e “eles eram ávidos de mente, hábeis, ágeis de compreensão, grandes em memória”, mas “de vida curta”.

(The Lost Road, p. 276)

Essa divisão “racial” tripartite dos homens da Primeira Era, de acordo com o seu fenótipo, estatura e caráter, traz à mente “as três raças da Europa”, de William Ripley, cuja obra seminal The Races of Europe [As Raças da Europa] (1899) foi popularizada pelo livro muito influente de Madison Grant The Passing of the Great Race [O Fim da Grande Raça](1916). De acordo com Ripley, havia três principais distinções “raciais” entre as pessoas da Europa moderna: os nórdicos, os alpinos e os mediterrâneos.

A raça nórdica era descrita como alta, de cabelos claros e olhos azuis, a raça mediterrânea era baixa, esbelta e ágil, com os cabelos e olhos escuros, enquanto os alpinos eram de média estatura, de constituição atarracada e com a cor dos cabelos e olhos intermediária entre as duas “raças”. A elaboração desse esquema de Grant acrescentou “aptidões raciais” para as três descrições físicas, retratando os nórdicos como uma raça de “soldados, marinheiros, aventureiros e exploradores, mas, acima de tudo, de governantes, organizadores e aristocratas”, enquanto aos alpinos era atribuído “um caráter essencialmente camponês”. Os mediterrâneos são “inferiores em resistência corporal” em relação às duas outras raças, mas superiores no campo das artes (Grant, 1936, p. 228).

Dada a afirmação de Tolkien que a Terra-média não é exatamente um mundo imaginário, mas uma concepção imaginária da Europa do Norte em um mundo muito remoto (uma espécie de “protopré-história” mítica), então as características “raciais” dos tipos da europeus foram transpostas de forma lógica para as Casas dos Homens da Terra-média. Porém, com o desenvolvimento da mitologia de Tolkien e a adição das Segundas e Terceiras Eras da Terra-média, as coisas se tornaram muito mais complicadas, e a imagem das “raças” dos homens durante o tempo do enredo de O Senhor dos Anéis é bem mais complexa e interessante.

Nos anos 1930, Tolkien inventou a história dos Homens de Númenor, cujo desejo pela imortalidade élfica os levou à queda de sua espécie de Atlântida. A “raça” dos Númenórianos diferenciou-se dos homens comuns em biologia e características mentais; portanto, no início de sua existência, eles são descritos como “altos, mais altos que os mais altos dos filhos da Terra-média” e, além disso, eles enxergam longe. A “estatura […] aumentada” deles era também seguida de um aumento “de mente” (O Silmarillion) e a duração de vida deles era bem maior que a dos homens comuns (O Retorno do Rei). A aparência deles, as suas características biológicas e as suas habilidades mentais aparentam ser bem próximas dos elfos, mas Tolkien é rápido em enfatizar a principal diferença:

[Os Númenórianos] se tornaram, portanto, em aparência e mesmo em poderes de mente, dificilmente diferentes dos elfos — mas eles se mantiveram mortais, ainda que recompensados pelo triplo ou mais que o triplo de anos de vida.

(Letters, p. 154)

Depois da Queda de Númenor, os poucos Númenórianos fiéis navegaram para a Terra-média, onde eles estabeleceram novos reinos, incluindo Gondor e uma linhagem dinástica, que culminou com Aragorn, filho de Arathorn, o Rei que retorna para governar no final de O Senhor dos Anéis.

Se nós considerarmos a paisagem e a demografia da Terra-média ao final da Terceira Era, então — no período em que o enredo de O Senhor dos Anéis ocorre — encontraremos os descendentes dos Homens de Númenor, os descendentes das Três Casas dos Homens da Primeira Era, mas também outros grupos de homens de diferentes origens. Em O Retorno do Rei, existe uma passagem altamente significativa em que Faramir conversa com o Frodo e Sam sobre a história passada de Gondor e dá a eles uma ideia muito clara do que Virginia Luling chamou de “teoria Gondoriana de antropologia” (1996, p. 54).

Por isso, reconhecemos os homens em nossa tradição, chamando-os de Altos, ou Homens do Oeste, que eram Númenórianos; os Povos Médios, Homens do Crepúsculo, tais como eram os Rohirrim e seus parentes que habitavam ainda longe do Norte; e os Selvagens, os Homens da Escuridão.

(The Return of the King, pp. 678–9)

De acordo com essa classificação, a raça “Mais Alta” é sem dúvida a dos Númenorianos, comprovada por suas características corporais e intelectuais aprimoradas. Eles receberam essa preeminência por serem aliados dos elfos, praticamente por “aderir ao lado do bem”. Embora seu empoderamento estivesse inicialmente relacionado a fatores morais ou teológicos, eles evoluíram para uma raça superior e se destacaram de todos os outros. Ao contrário, os Homens Morenos que lutaram contra os elfos ao lado das forças do mal se mantêm inferiores. Mas as coisas não são assim tão simples. Na classificação de Faramir há um grupo intermediário chamado “Povos do Meio” ou “homens do Crepúsculo”. Os Rohirrim são descritos com pertencentes àquela ordem. E — apenas para complicar as coisas um pouco mais — existe ainda um outro grupo de homens que parece ter sido deixado de fora da classificação antropológica de Faramir: os Woses, os Homens Selvagens da Floresta, que aparecem do nada para ajudar os Rohirrim a alcançar Gondor e ajudar contra o seu cerco.

Agora este é um bom momento para trazer também a compreensão de Tolkien sobre a “cultura” na Terra-média, e seu empréstimo de culturas históricas reais para construir essas subdivisões dos homens na Terceira Era.

Como apontei brevemente, Tolkien identificava a Terra-média com o norte da Europa em um passado bem remoto ou “proto-pré-história”. As afirmações de Tolkien no “Prólogo” de O Senhor dos Anéis que os hobbits habitavam o “Noroeste do Velho Mundo, a leste do Mar” (Fellowship of the Ring, p. 2) foram corroboradas por um comentário que ele fez em resposta a uma resenha de W.H. Auden de O Retorno do Rei:

Minha inclinação mental é histórica. A Terra-média não é um mundo imaginário… O palco do meu conto é esta terra, a única em que nós ora vivemos, mas o período histórico é imaginário. Os fundamentos dessa morada estão todos lá (pelo menos para os habitantes da Europa do Noroeste), então naturalmente parecem familiares, mesmo se um pouco glorificados pelo encantamento da distância no tempo.

(Letters, p. 239)

Dado esse sabor “europeu” da Terra-média, não é de se surpreender encontrar uma identificação entre as culturas dos Homens na Terceira Era e as culturas europeias históricas reais. Especialmente, quando se pensa nos Rohirrim e nos homens de Gondor, Tolkien ligou ambas as “culturas” — diretamente ou implicitamente — com as “culturas” históricas reais do passado.

Gondor não era apenas comparada por Tolkien a Bizâncio em seu período de declínio, mas também a Roma e ao Império Romano, bem como ao antigo Egito — especialmente em ternos da obsessão gondoriana com a morte e os monumentos e o costume deles de “embalsamar” reis mortos (Letters, pp. 157, 376, 281). Eu também discuti em meu livro (Fimi, 2008, pp. 165-191) muitas ligações no âmbito da cultura material que conectam os Númenórianos (e, portanto, seus descendentes, os homens de Gondor) aos vikings, especialmente as proezas deles como marinheiros e a prática deles de enterros de navios e funerais de barcos. Apesar dessas referências acerca de culturas muito díspares, o principal elemento que caracteriza os homens de Gondor é o fato de que — rumo ao final da Terceira Era da Terra-média — eles são uma cultura em declínio, uma cultura que atingiu o seu pico e caminha em direção à decadência, apesar da promessa de esperança e de renovação com o retorno de Aragorn como o rei legítimo e a restauração da linhagem real.

Ao contrário, os homens de Rohan estão em um diferente estágio de seu desenvolvimento. Na “antropologia gondoriana” de Faramir, está claro que os homens de Rohan não têm o “sangue nobre” dos Númenórianos, mas eles são separados pelos Homens da Escuridão devido a suas raízes ancestrais comuns com os homens de Gondor: o antepassado dos Rohirrim são também das três casas dos homes da Primeira Era, que eu explorei com mais detalhes anteriormente. Faramir, de fato, fala com muita admiração sobre os Rohirrim, descrevendo-os como:

homens altos e mulheres belas, ambos valentes, cabelos dourados, olhos brilhantes e fortes; eles nos lembram a juventude dos homens, como eles eram nos Dias Antigos. De fato, é dito pelos nossos mestres do conhecimento, que eles tinham, desde os antigos, essa afinidade conosco de terem vindo das mesmas Três Casas dos Homens, como eram os Númenórianos em seu início; não de Hador o Cabelos Dourados, o Amigo-dos-Elfos, mas talvez, ainda por tal povo que não atravessou o Mar para o Oeste… (The Two Towers, p. 678)

Primeiro fólio do manuscrito de Beowulf.

Esse retrato dos Rohirrim se encaixa muito bem com a identificação histórica deles como uma cultura pseudoanglo-saxônica. O inglês antigo não apenas é dado aos Rohirrim como sua língua e fonte de sua nomenclatura, mas eles também são retratados como anglo-saxões em termos de valores sociais, instituições e sociedade. Tom Shippey discutiu as ressonâncias do inglês antigo na cultura de Rohan, principalmente em temos de referências textuais a Beowulf e demais produções literárias em inglês antigo. Por exemplo, a descrição de Tolkien da entrada de Gandalf, Aragorn, Gimli e Legolas no Salão Dourado de Edoras é muito “beowulfiana”: primeiramente, a chegada do grupo é recebida pelos guardas do portão, em segundo lugar, pelos guardas das portas, então são solicitados a deixar suas armas de lado antes de entrar no salão, e finalmente eles são desafiados pelo conselheiro do rei — a mesma sequência de quando Beowulf e seus homens se aproximam do rei nos salões de Hrothgar (The Treason of Isengard, p. 442; Shippey 2005, p. 141; Shippey 2001, p. 94–6). Porém, eu gostaria de adicionar elementos da cultura material dos homens de Rohan e sua ligação com os artefatos culturais similares aos anglo-saxões.

Primeiramente, Tolkien comparou o vestuário e armadura dos Rohirrim a um artefato específico: a tapeçaria de Bayeux. Em uma resposta à pergunta de Rhona Beare sobre as roupas dos povos da Terra-média, ele notou que:

Os Rohirrim não eram “medievais”, em nosso sentido. Os estilos da tapeçaria de Bayeux (feita na Inglaterra) lhes caem bem o bastante, se nos lembrarmos que essa espécie de rede de tênis [que os] soldados parecem usar são apenas uma marca convencional tacanha para uma cota de malhas de pequenos anéis.

(Letters, pp. 280–1)

No começo, presumia-se que a tapeçaria de Bayeux tivesse sido produzida na Normandia, mas, durante o início do século dezenove, o argumento sobre a sua origem inglesa foi apresentado — e se manteve desde então, com a concordância de acadêmicos — com base nas técnicas de costura utilizadas, as grafias e letras latinas e nas inscrições, assim como o uso de fontes manuscritas anglo-saxônicas para as ilustrações da tapeçaria (Brown, 1988, p. 33). É significativo, então, que Tolkien use as representações da tapeçaria para descrever o vestuário e o arsenal dos Rohirrim, visto que ele se apoia em imagens que são consideradas verdadeiras para cultura dos ingleses na Idade Média. Significativamente, a tapeçaria de Bayeux representa um dos mais cruciais (ainda que trágicos, para Tolkien) momentos da história inglesa: a invasão normanda (a história do último rei anglo-saxão, Haroldo, conde de Wessex, cujos homens foram derrotados pelo exército de Guilherme, o Conquistador, em 1066).

Existem também outros exemplos da insistência de Tolkien na cultura material anglo-saxã para os Rohirrim. Quando Morton Grady Zimmerman escreveu um roteiro para O Senhor dos Anéis com a intenção de fazer uma adaptação de filme animado, Tolkien recebeu uma cópia do roteiro, que ele anotou abundantemente. Esse roteiro anotado está guardado na coleção de manuscritos da Universidade de Marquette em Milwaukee, Wisconsin, e registra o descontentamento geral de Tolkien com o roteiro (que diz muito, na verdade, sobre como Tolkien poderia ter reagido às recentes adaptações fílmicas de O Senhor dos Anéis por Peter Jackson!)

Tolkien elencou três pontos específicos sobre o retrato incorreto de Zimmerman da cultura material dos Rohirrim. O primeiro ponto dizia respeito aos cômodos de Théoden em Edoras. O roteiro de Zimmerman se referia à “câmara” de Théoden e, depois, durante a cena, quando os Rohirrim se prepararam para sair do Abismo de Helm, Zimmerman escreveu que “a câmara se transforma em uma colmeia de atividade agitada”. Na primeira ocorrência da palavra, Tolkien corrigiu “câmara” [chamber] para “salão” [hall] e, depois, ele sublinhou a palavra “câmara” e marcou um “x” na margem direita da página, indicando seu desacordo (Marquette, JRRT 8/1/1, pp. 31–2). Vale mencionar que logo abaixo dessa segunda correção, Zimmerman descreveu Éowyn como a filha de Théoden (em vez de sobrinha de Théoden), mas Tolkien não respondeu a esse erro óbvio. Em vez disso, ele prestou mais atenção ao engano de chamar o salão de Théoden de “câmara” (Marquette, JRRT 8/1/1, p. 32)!

Em uma carta aos seus editores, comentando o roteiro, Tolkien escreveu:

Num tempo como aquele, não havia espaço para “câmaras”. Théoden provavelmente não tinha nenhuma, a menos que tivesse uma “morada” de dormir em uma “dependência externa” separada. Ele recebia convidados ou emissários sentado em seu estrado, no salão real. Isso está bem claro no livro; e a cena deveria ser muito mais eficiente ao ilustrá-lo… Mesmo se o rei de tais pessoas tivesse uma “morada”, não se tornaria “uma colmeia de atividade agitada”!! A agitação ocorre lá fora, na cidade. O que é mostrável sobre isso deveria ocorrer na ampla passagem diante dos portões.

(Letters, p. 276)

A segunda instância em que Tolkien sentiu que tinha de intervir foi a cena imediatamente depois que Gandalf libertou Théoden do “feitiço” de Saruman. Zimmerman escreveu que “Théoden ordena que se escancarem as janelas e que sua espada lhe seja trazida”. Tolkien sublinha a frase “escancarem as janelas” e marcou de novo com um “x” na margem direita da página (Marquette, JRRT 8/1/1, p. 32). Na carta aos seus editores, Tolkien continua:

Por que Théoden e Gandalf não saem pelos portões, como eu relatei? Embora eu tenha de certa forma enriquecido a cultura dos “heroicos” Rohirrim, isso não extrapola para janelas envidraçadas que poderiam ser escancaradas!! Nós poderíamos estar em um hotel. (As “janelas do leste” do salão, II 116, 119, eram fendas sob os beirais, desvidraçadas.)

(Letters, p. 276)

O terceiro e último ponto de discordância de Tolkien, que não está mencionado na carta aos seus editores, é sobre quando o assassino do Nazgûl é revelado como Éowyn, que seguiu os Cavaleiros de Rohan secretamente, vestida de homem. Zimmerman escreveu: “O cavaleiro joga sua viseira para trás e é Éowyn, filha de Théoden”.

Tolkien sublinhou a palavra “viseira” e escreveu na margem direita da página “não havia nenhuma” (Marquette, JRRT 8/1/1, p. 44). Ele — de novo — não reagiu por Éowyn ser chamada de “filha de Théoden”!

Desses três pontos elencados por Tolkien, o primeiro aparenta ser de uma natureza linguística, mas ainda revela a construção de Tolkien sobre a materialidade e as culturas da Terra-média. A palavra “câmara” [chamber] é de origem francesa, denotando um quarto privado (cf. OED, “chamber”), e provavelmente traria à mente a ambientação dos romances medievais, em vez de qualquer coisa anglo-saxônica. O mesmo argumento é válido para o segundo e terceiros pontos de Tolkien, as “janelas” dos salões de Théoden e a “viseira” de Éowyn. Tolkien se refere à cultura dos Rohirrim heroicos, associando a cultura material deles com os anglo-saxões em vez de com a cultura do romance medieval popular, que conteria “câmaras” privadas e janelas com vidros assim como viseiras em armaduras de cavaleiros. Esse contraste da materialidade anglo-saxônica e do romance, assim como os valores sociais e a atmosfera que ele denota é ilustrado mais uma vez em uma carta que Tolkien defende o amor de Éowyn e Faramir, que — de acordo com um dos leitores — foi desenvolvido muito rapidamente. Ele escreveu:

Em minha experiência, sentimentos e decisões amadurecem muito rapidamente… em períodos de grande estresse e especialmente sob o perigo da morte iminente. E eu não penso que as pessoas de alta classe e educação precisem de todo esse acercamento mesquinho e abordagens em matéria de “amor”. Esse conto não lida com o período do “amor cortês” e suas afetações; mas com uma cultura mais primitiva (isto é, menos corrupta) e mais nobre.

(Letters, p. 324, grifo nosso)

A insistência de Tolkien nos Rohirrim como uma cultura “mais primitiva (isto é, menos corrupta) e mais nobre”, sem vidros nas janelas, viseiras em suas armaduras e sem “câmaras” privadas, se move dentro de um motivo muito reconhecível: o do “primitivo” como “mais puro”, “nobre” e “não corrompido” pelos excessos de uma vida civilizada que acabou por ser decadente e autoindulgente. Os Cavaleiros de Rohan e os cidadãos de Gondor são retratados como duas contrastantes sociedades. Descendentes da civilização Númenóriana, os habitantes de terras de Gondor se toraram muito sofisticados e caminham rumo a uma era de declínio ao fim da Terceira Era da Terra-média. Por outro lado, os Rohirrim são retratados como uma cultura mais jovem, provavelmente mais próxima do estereótipo dos “bárbaros” do norte do que da civilização sulista muito exaurida de Númenor. Nessa equação, os Rohirrim são notados como uma “raça” mais forte, cheia de vigor e energia. Faramir os menciona de maneira elogiosa na citação que eu trouxe anteriormente; eles o lembravam da “juventude do homem”. Ao mesmo tempo, se os Rohirrim são equiparados aos anglo-saxões, então os seus antecessores — os homens do Norte de Rhovanion que têm nomes góticos (Unfinished Tales, pp. 311–12; Shippey 2005, pp. 17–18) — são uma adaptação dos godos, uma outra população “bárbara” admirada por Tolkien e associada à cultura mais “nobre” e “pura”. Nos apêndices de O Senhor dos Anéis, Tolkien nos traz um episódio notável da história de Gondor e sua associação com os seus “primitivos”, porém leais e cordiais vizinhos bárbaros, em que a “mistura” da linhagem dos reis com sangue não Númenóriano não causa dano, mas o enriquece: Rei Valacar de Gondor casou-se com Vidumavi, a filha do Rei dos Homens do Norte. Quando seu filho, Eldacar, o sucedeu ao trono, “à linhagem de Gondor ele somou o espírito destemido dos Homens do Norte” (The Return of the King, p. 1046).

Drúedain, Ted Nasmith

E falando sobre os bárbaros “nobres”, esse é um bom momento para nos voltarmos a um grupo de homens que vemos desempenhando um papel ativo na Guerra do Anel e no destino da Terra-média na Terceira Era, mas que não estão incluídos no relato de Faramir e parecem ter sido esquecidos pela história. Os Woses, ou Homens Selvagens da Floresta, são claramente não Númenórianos, e também não podem reivindicar a mesma origem dos Rohirrim. Além disso, eles não são hostis aos elfos e homens nem aliados de Sauron. Essa “raça” de homens parece surgir do nada para ajudar os Rohirrim a alcançar Gondor e ajudá-la em sua grande necessidade. Eles são de uma tribo primitiva de homens selvagens descritos como de pernas curtas e braços gordos, exatamente como as estátuas dos Homens de Púkel, que os cavaleiros encontraram antes de se encontrarem com o líder, Ghân-buri-Ghân (Return of the King, pp. 831–32).A representação dessa tribo “incivilizada” é muito reminiscente da idealização romântica do século dezoito do “bom selvagem”: um homem primitivo que é livre, pacífico e próximo à natureza (Gillespie, 2002, pp. 89–90; Steeves, 1973, p. 93). Ghân-buri-Ghân fala em sentenças abruptas, gramaticalmente limítrofes e se veste apenas com “grama ao redor da cintura”. Ele se recusa enviar seus homens para a guerra, dizendo “nós não lutamos”, mas oferece ajuda aos Rohirrim, declarando a ele mesmo e seu povo como inimigos dos orques (The Return of the King, pp. 831–32).

Ao mesmo tempo, no entanto, o retrato dos Woses mostra uma outra ideia de lugar-comum da antropologia vitoriana: a equação do desenvolvimento mental do homem primitivo e “selvagem” com o das crianças “civilizadas” (Stocking, 1982, p. 126). De acordo com essa visão, o desenvolvimento mental em raças “menores” e “incivilizadas” parou no início da adolescência, então o seu caráter se manteve mais automático e instintivo. Em Contos Inacabados, aos Homens Selvagens (os Drúedain, como os elfos os chamam) são, de fato, dadas características típicas de crianças. Tolkien os descreve como não tendo pelos abaixo das sobrancelhas, salvo apenas alguns que eram orgulhosos de ter “um pequeno tufo de pelos pretos no meio do queixo” (Unfinished Tales, p. 377), e a risada deles é abundante e contínua, como se poderia esperar de uma risada de criança. Tolkien acrescenta “em tempos de paz, eles riam frequentemente no trabalho ou diversão, enquanto os outros homens talvez cantassem” (Unfinished Tales, p. 378), o que se soma à caracterização deles como jovens adolescentes.

Consequentemente, os Woses são um desvio da estrita hierarquia racial da Terra-média, conforme eu abordei até agora. Em vez de serem classificados como uma raça inferior, devido ao seu primitivismo, Tolkien parece vê-los como “bons selvagens”: desagradáveis em aparência, em vez de exoticamente bonitos (como outros “bons selvagens” na literatura contemporânea são frequentemente retratados), mas ainda romantizados. O primitivismo deles é respeitado em vez de desprezado.

Orcs, Alan Lee

Agora, tendo discutido o mundo hierárquico de homens na Primeira e Terceira Eras da Terra-média, não podemos evitar de sentir o desejo de retornar às perguntas espinhosas que eu fiz no início deste trabalho, e uma pergunta persistente — com a qual até mesmo os fãs fervorosos de Tolkien acham desconfortável lidar em termos de políticas e ideias contemporâneas — é o retrato do mal de Tolkien na Terra-média, representado pelos Homens Escuros, mas mais significativamente pelos orques.  [Aproveite para ler um texto sobre a natureza dos orques aqui]

Tais criaturas intrinsecamente “más” como gobelins, orques, gnomos ou seja lá como tenham sido chamadas, se desenvolveram em personagens “típicos” da fantasia moderna, frequentemente vistos como uma forma “fácil” de criar inimigos para os principais heróis lutarem, e de levar a uma grande batalha rumo ao clímax do enredo. Antes de Tolkien, George MacDonald usou os gobelins dessa forma, e depois de Tolkien, vários seguidores e imitadores adotaram essa premissa.

No entanto, no entendimento de “raça” de Tolkien — como discutido até agora —, as perspectivas teológicas (ou espirituais) e antropológicas frequentemente se misturam de formas muito interessantes. Os orques podem representar os vilões típicos da Terra-média, mas as origens deles residem na “raça” mais elevada. O relato da criação deles no Silmarillion publicado fala sobre alguns dos primeiros elfos que ficaram terrivelmente com medo quando Oromë veio para encontrá-los e fugiram. Eles foram subsequentemente enlaçados por Melkor e “por demoradas artes de crueldade foram corrompidos e escravizados”, de modo que a raça de orques foi feita por “inveja e zombaria dos elfos” (Silmarillion, p. 50). Tolkien parece ter enfatizado o fato de que os orques não foram “criados” por Melkor, mas sim transformados em uma “falsificação” da natureza élfica original (Letters, p. 190).

O tema de “criação” ou “corrupção” dos orques parece ter perturbado Tolkien, especialmente nos anos depois da publicação de O Senhor dos Anéis, devido às suas implicações filosóficas e teológicas. A “solução” de que os orques eram formas “corrompidas” dos elfos significava que Morgoth obviamente não tinha o poder de “criar” coisas novas, o que era coerente com sua natureza maligna. Apenas Ilúvatar, Deus, poderia criar vida nova. Mas, por outro lado, o pensamento de que os hediondos e maliciosos orques eram, a princípio, elfos — os mais “elevados” seres da Terra-média — tornou-se cada vez mais insustentável para Tolkien.

Christopher Tolkien editou uma série de ensaios e notas sobre os orques, datadas do final da década de 1950 até o final da de 1960, em que a visão de Tolkien oscilava entre diferentes “soluções” para os orques: aderindo à sua ideia original de orques como elfos corrompidos, mudando os orques para formas corruptas dos homens ou mesmo corrupções dos Maiar caídos em uma versão. Ele ainda considerou a possibilidade dos orques como autômatos criados por Sauron, simplesmente ecoica, como os papagaios (cf. Morgoth’s Ring, p. 408–24).

Na maioria das versões, no entanto, os orques parecem uma versão “negativa” dos elfos e homens. A visualização de Tolkien deles é especialmente intrigante quando vista em tal contexto. Em todo o legendário de Tolkien, os orques são raramente descritos em detalhes — eles são apenas identificados com maus. Em O Senhor dos Anéis, porém, há uma série de lugares em que a aparência física fica um pouco mais evidente. Um dos chefes dos orques em Moria é descrito como um “quase da altura de um homem” e nós ficamos sabendo que “seu rosto largo e achatado era escuro, seus olhos eram como carvões, e sua língua era vermelha” (Fellowship of the Ring, p. 325). Os soldados-gobelins de Isengard são descritos como sendo “de maior estatura, morenos, de olhos puxados, com pernas grossas e mãos grandes” e em outro lugar como “grandes, morenos e de olhos inclinados” (Two Towers, pp. 415, 451). Finalmente, um vislumbre de aparência dos orques é também dado pela descrição dos homens meio-gobelim ou meio-orques de Saruman, o resultado de sua “mistura de raças entre orques e homens” (Two Towers, p. 473). Já em Bri, nós conhecemos um “sulista de olhos vesgos”, o companheiro de Bill Samambaia, que é também descrito em outro lugar como “moreno” e com um “rosto amarelado, com olhos astutos e puxados” (Fellowship Of The Ring, pp. 160, 165, 180). A mesma aparência é também atribuída para alguns do exército de Saruman, conforme visto por Merry e Pippin antes da destruição de Isengard, assim como aos rufiões que os hobbits tiveram de enfrentar em “O Expurgo do Condado” (Two Towers, p. 566; Return of the King, pp. 1004, 1005, 1015).

Essa imagem dos orques se torna mais clara em uma das cartas de Tolkien, em que ele explica que:

Diz-se dos orques que são definitivamente corrupções da forma “humanoide” vista em elfos e homens. Eles são (ou eram) atarracados, robustos, de nariz chato, pele amarelada, com bocas largas e olhos puxados: de fato, versões degradadas e repulsivas dos menos atraentes (para os europeus) tipos mongóis.

(Letters, p. 274)

Esse trecho é importante do ponto de vista antropológico, pois parece refletir as ideias populares da hierarquia tradicional dos três tipos extremos de raça humana: os caucasoides, mongoloides e negroides (Montagu, 1997, p. 50; Metraux, 1951, p. 153). Nesse caso, Tolkien parece se identificar com a raça “europeia”, geralmente associada com os caucasoides e escolhe para seus vilões as características físicas extremas da chamada raça mongoloide, tradicionalmente vista como inferior a partir de uma perspectiva da Europa Ocidental.

Contudo, ao mesmo tempo, a identificação dos orques com a raça mongol evoca as ideias populares sobre degeneração social e deficiência mental. Por muitos anos — oficialmente até 1961 —, a condição médica hoje conhecida como “Síndrome de Down” era referida como “idiotia mongólica” ou “mongolismo”. O termo é originado dos escritos de John Langdon Down, que foi o primeiro a descrever e a estudar a condição. Seu nome foi posteriormente usado como o termo moderno para referir essa condição (Ward, 1999, p. 22). Escrevendo durante a segunda metade do século dezenove e influenciado pela antropologia racial, Down passou a ver a deficiência mental como uma forma de regressão para raças humanas mais primitivas e menos “desenvolvidas”. Ele categorizou os pacientes do hospício em que trabalhava em diferentes grupos raciais. Observou que um grande número deles eram “típicos mongóis” (Ward 1999, p. 20; Wright 2001, p. 164). Sua descrição dos “idiotas mongóis” é alarmantemente próxima à descrição de Tolkien dos orques:

O rosto é achatado e largo e destituído de proeminência. As bochechas são arredondadas e estendidas lateralmente. Os olhos são posicionados obliquamente e os cantos internos mais distantes um do outro do que o habitual… Os lábios são grandes e grossos, com fissuras transversas. A língua é longa, grossa e muito áspera. O nariz é pequeno.

(Down, 1862, p. 122)

A suposta “regressão” dos pacientes de síndrome de Down era uma ideia que persistiu até 1924 quando Crookshank reivindicou em The Mongol in our Midst [O Mongol em Nosso Meio] que a síndrome representava regressão para as características do orangotango (1924). A identificação dos orques com os mongóis e a evocação da deficiência mental associada com tal termo também parece concordar com uma atitude estereotipada geral em relação à deficiência na sociedade. Esse preconceito persiste até hoje em algumas sociedades e tende a enxergar as pessoas com deficiência como sinistras e más (Barnes, 1992, p. 22).

Tolkien precisava criar uma “espécie” de seres que iria representar as forças do mal e envolver em batalhas e guerras contra o lado do “bem” sem gerar pena nos leitores — nesse sentido, os orques são ideais: são intrinsecamente maus, sem nenhuma esperança de salvação e são cheios de ódio por qualquer coisa boa ou bonita. O retrato de Tolkien dos orques se concentra em características pouco familiares (note o comentário de Tolkien de que as características mongóis são desagradáveis “aos europeus” e não em geral), ideias estereotipadas de “degradação” frequentemente associadas ao “outro”, racialmente falando, e com o discurso de deficiência.

Gradualmente me dirigindo a algumas considerações finais e a uma conclusão desta palestra:

Até agora eu discuti alguns aspectos do mundo inventado hierárquico de Tolkien no contexto de uma abordagem medieval possível para a sua fantasia, mas também pela história cultural e a história de ideias durante o longo período de evolução de todo o seu corpus mitológico. Espero ter lançado luz ao que pode ser incialmente percebido como uma contradição entre afirmações de Tolkien veementemente contrárias aos nazistas e a “perniciosa doutrina de raças”, à qual renunciou da década de 1930 em diante, e a estrita divisão racial na Terra-média, que com frequência mostra se embasar em entendimentos muito mais antigos de antropologia. Como eu argumentei em meu livro, a obra de Tolkien começou em um “modo” de escrita, a construção de uma mitologia com alguns acordes espirituais e teológicos em seu centro, mas terminou escrevendo um gênero diferente: o modo “romanesco” de O Senhor dos Anéis e obras posteriores. Essa transição de um “modo” ou gênero de produção literária para outro foi acompanhada por outra transição: Tolkien é incomum se comparado a muitos outros escritores na medida em que desenvolveu um grupo de escritos interrelacionados que compartilharam o mesmo cenário e o mesmo mundo inventando por mais de 60 anos. Consequentemente, a Terra-média evoluiu junto com as próprias ideias e cosmovisão de Tolkien, conforme ele envelhecia, e o mundo mudava ao seu redor. Tolkien começou sua carreira de escritor muito como um escritor vitoriano/eduardiano tardio, com poemas e contos de fadas e alguma “bagagem” ideológica bem típica do século 19 e terminou como um escritor do século 20 com preocupações muito diferentes, ansiedades e modos de entender o mundo, tendo passado por duas Guerras Mundiais traumáticas e tendo testemunhado mudanças culturais tremendas. Não é surpreendente, portanto, que a Terra-média — especialmente quando se considera os textos tardios mais famosos de Tolkien, tais como O Senhor dos Anéis — é uma (nem sempre consistente) mistura de medievalismo, antropologia vitoriana e ideias contemporâneas sobre os perigos do preconceito e discriminação racial. De fato, em vários pontos, os elfos olham para os homens como inferiores, ou outras subcategorias de seres adotam a mesma abordagem, frequentemente com resultados desastrosos — especialmente quando se trata de algumas histórias trágicas da Terra-média tais como o conto de Beren e Lúthien ou Os Filhos de Húrin.

Mas deixe-me fechar com alguns comentários finais sobre uma outra série de textos que recentemente serviram como ponto inicial de uma discussão muito popular e acadêmica sobre Tolkien: a adaptação cinematográfica de O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson. É importante notar que a trilogia fílmica de Jackson adicionou uma camada extra de profundidade (e frequentemente de confusão) na interpretação de raça no trabalho de Tolkien. Ambas as manchetes de Yatt e Shapiro que eu usei acima, alegando que O Senhor dos Anéis é “enraizado no racismo” são baseadas inteiramente, ou são fortemente influenciadas pela adaptação de Peter Jackson (Rearick, 2004).

Mûmakil Mahûd | The One Wiki to Rule Them All | Fandom

É importante lembrar que adaptações fílmicas são um produto de seu momento cultural tanto quanto as obras literárias originais o são de seu próprio momento. Os ecos da cosmologia medieval e antropologia vitoriana na obra de Tolkien assumiram um tom muito diferente na trilogia de Jackson pós 11 de setembro. Brian Rosebury recentemente comentou que O Senhor dos Anéis é, na verdade, “um trabalho eurocêntrico” e acrescentou que “Jackson não pode ser culpado pelo fato de que seus heróis, assim como alguns de seus vilões, são brancos”, nem que a ameaça parece vir do leste e sul do mapa da Terra-média (Rosebury, 2006, p. 557). Porém, como mídia visual, os filmes de Jackson acentuaram a “alteridade racial” de diferentes povos ao basear suas características em uma (às vezes, casual) mistura de culturas materiais não europeias: como as equipes de design e produção comentam nos DVDs estendidos dos filmes, eles usaram elementos da cultura material norte-africana, maori, japonesa e das Ilhas do Pacífico para representar os lestenses e os Haradrim (Rosebury, 2006; Kim, 2004). Em um período de alta tensão entre os mundos do Oriente e o Ocidente, tais empréstimos culturais podem ser propositadamente ofensivos e ideológicos.

Agora, para terminar com uma nota positiva, eu devo dizer que sempre que ensino sobre Tolkien e raça na minha Universidade (em nível de graduação e pós-graduação) meus alunos frequentemente citam uma passagem comovente de As Duas Torres, que Jackson manteve no filme homônimo, embora tenha dado a um personagem diferente. Quando a companhia de Faramir ataca os Lestenses, que estão tentando passar por Ithilien no Olifante deles, e então descobrem Frodo e Sam lá, a adaptação de Jackson oferece uma tomada em que Faramir olha para um jovem lestense morto, antes de dizer:

“Seu senso de dever não era menor que o de vocês, eu suponho. Vocês se perguntam qual é o nome dele, de onde ele veio. E se ele era realmente mau em seu coração. Que mentiras ou ameaças o levaram nessa longa marcha desde sua casa. Se ele não preferiria ter ficado lá… em paz.”

Essas palavras reproduzem quase literalmente os pensamentos interiores de Sam quando testemunhou a mesma cena em O Senhor dos Anéis (Two Towers, p. 661). Embora, no filme, o público de fato veja o rosto morto, com características orientais bem discerníveis, os pensamentos de Sam que foram dados a Faramir ainda transmitem os próprios pensamentos de Tolkien sobre a natureza da guerra — sobre a batalha contra os seres humanos, a quem nós, às vezes, demonizamos e desumanizamos a fim de sermos capazes de combatê-los, e sobre a batalha interior com nossa própria natureza humana, que vai contra matar a nossa gente.

Obrigada.


Tradução do texto principal, citações e versos de Cristina Casagrande

O texto fonte pode ser acessado no site de Dimitra Fimi, por este link.
The source-text can be found in Dimitra Fimi’s website, through this link.


Obras de J.R.R. Tolkien, citadas em ordem cronológica

The Lord of the Rings in three volumes:

I, The Fellowship of the Ring (London: George Allen & Unwin, 1954 [cited here from 50th Anniversary Edition, edited by Wayne G. Hammond and Christina Scull, London: HarperCollins, 2004]).

II, The Two Towers (London: George Allen & Unwin, 1954 [cited here from 50th Anniversary Edition, edited by Wayne G. Hammond and Christina Scull, London: HarperCollins, 2004]).

III, The Return of the King (London: George Allen & Unwin, 1955 [cited here from 50th Anniversary Edition, edited by Wayne G. Hammond and Christina Scull, London: HarperCollins, 2004]).

Marquette University, Special Collections and Archives, JRRT 8/1/1. Screen treatment of The Lord of the Rings, written by Morton Grady Zimmerman, annotated by J.R.R. Tolkien, 1957.

The Silmarillion, edited by Christopher Tolkien (London: George Allen & Unwin, 1977).

The Letters of J.R.R. Tolkien, edited by Humphrey Carpenter with the assistance of Christopher Tolkien (London: George Allen & Unwin, 1981).

Unfinished Tales of Númenor and Middle-earth, edited by Christopher Tolkien (London: George Allen & Unwin, 1980).

The Lost Road and Other Writings: Language and Legend before The Lord of the Rings, edited by Christopher Tolkien (London: HarperCollins, 1987).

The Return of the Shadow, edited by Christopher Tolkien (London: HarperCollins, 1988).

The Treason of Isengard: The History of The Lord of the Rings, Part Two, edited by Christopher Tolkien (London: Unwin Hyman, 1989).

Morgoth’s Ring: The Later Silmarillion, Part One: The Legends of Aman, edited by Christopher Tolkien (London: HarperCollins, 1993).

The Peoples of Middle-earth, edited by Christopher Tolkien (London: HarperCollins, 1996).

‘Early Qenya Fragments’, edited by Patrick Wynne and Christopher Gilson, Parma Eldalamberon, 14 (2003): 3–34.

Outras obras citadas

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Dimitra Fimi é uma acadêmica tolkienista, professora de literatura de fantasia na Universidade de Glasgow (Escócia)

Cristina Casagrande é autora de “A Amizade em O Senhor dos Anéis

3 thoughts on “Revisitando o tema Raça no Legendarium de Tolkien: Construindo Culturas e Ideologias em um Mundo Imaginário

  1. Artigo absolutamente seminal!!! É um imenso prazer poder ler em português um trabalho tão profundo e complexo, como do da dra. Dimitra Fimi. Profundo em diversos aspectos: por fugir das usuais análises contidas ao Senhor dos Anéis, Hobbit e Silmarillion, e expandir o contexto analítico a cartas, textos do HoME e até mesmo manuscritos inéditos – algo que a pesquisadora fez também em seu livro. E principalmente por elevar e complexificar um debate usualmente – ao menos no Brasil – muito pobre sobre a questão de raça e racismo em Tolkien. Este debate costuma sempre ficar na esfera do “Tolkien era racista porque seus vilões são não caucasianos e seus heróis são caucasianos” versus “Tolkien não era racista porque critica Hitler e o Apartheid”. A doutora Fimi aqui se vale também destes dois argumentos, mas os expande, partindo para os contextos históricos em que o legendário foi produzido (com um grande plural neste “contexto” pois dos anos 10 aos anos 70 o mundo virou outro várias vezes!); do contexto histórico do medievo sobre o qual Tolkien pautou sua obra; e sobre seus próprios valores filosóficos. Tudo isto para concluir que não há resposta unica! Conclusão a que todo debate inteligente sempre deveria chegar. Há elementos de natureza negativa na representação racial de Tolkien sim; assim como a lições de Humanidade em sua maior abrangência também. Eu tenho livro da escritora e me arrisquei em alguns trechos, mas como meu inglês “empaca” em textos de acadêmicos mais densos, foi um imenso prazo conseguir agora apreender suas ideias com maior abrangência. Enfim, em tempos de polarizações e simplificações tão estúpidas é ótimo poder ler um texto sóbrio e profundo, que entende que existem muito mais camadas em qualquer aspecto do nosso mundo. Obrigado pela tradução, e disponibilização, Cris!

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