A rich world to be immersed in: interview with Dimitra Fimi

Um rico mundo para imergir: entrevista com
Dimitra Fimi

Cristina Casagrande

Read the interview in English here

When Dimitris met (Dimitra) Fimi – tolkien.gr

Dimitra Fimi é uma conceituada tolkienista e pesquisadora de mitologia, folclore, fantasia e contos de fadas. Nascida na Grécia e filha de professores, desde cedo se interessou pelo o universo mítico. Ler compêndios de mitologia clássica era seu passatempo favorito, a ponto de saber de cor o nome de deuses, ninfas, heróis, monstros, com suas diversas variantes.

Graduada em literatura e língua inglesa na Universidade de Atenas, fez mestrado em estudos celtas na Universidade de Cardiff, e, na sequência, defendeu o seu doutorado em literatura tolkieniana. Foi lecionou por um curto período na Universidade de Cardiff, transferindo-se posteriormente para a Universidade Metropolitana de Cardiff, onde permaneceu por dez anos como professora de literatura do século XX.

Sua tese inspirou sua primeira monografia, Tolkien, Race, and Cultural History: From Fairies to Hobbits [Tolkien, Raça e História Cultural: de fadas a hobbits] (Palgrave Macmillan, 2008), que recebeu o Mythopoeic Scholarship Award for Inklings Studies. Sua segunda monografia voltada para o passado celta, em Celtic Myth in Contemporary Children’s Fantasy [Mito celta na fantasia infantil contemporânea ] (Palgrave Macmillan, 2017), rendendo o Mythopoeic Scholarship Award in Myth and Fantasy Studies.

Hoje ela é professora de Literatura de Fantasia e Infantil na Universidade de Glasgow, onde é codiretora, ao lado do Dr Rob Maslen, do Centro da Fantasia e do Fantástico, com diversas iniciativas em favor desse gênero voltado às riquezas do imaginário humano.

Confira a nossa entrevista com Dimitra Fimi.


Você é uma notável acadêmica no campo dos contos de fadas, fantasia, mitologia etc. Atualmente, é professora associada em Literatura de Fantasia e Infantil na Universidade de Glasgow. Você poderia nos contar sobre o seu trabalho atualmente?

Quando surgiu o cargo na Universidade de Glasgow, o primeiro de professor universitário com a palavra “Fantasia” no título, eu sabia que deveria tentar. Eu já estava ciente de que havia um curso de Mestrado em Fantasia em Glasgow (sob a direção do Dr. Rob Maslen), e — tendo sido convidada como a palestrante principal em Glasgow no ano anterior — eu sabia também que poderia encontrar lá uma comunidade de colegas e estudantes pesquisadores como uma mentalidade parecida, que levavam a fantasia a sério e produziam um trabalho excelente.

Eu comecei a trabalhar em Glasgow em setembro de 2018 e realmente gostei de dar aulas de fantasia (do período vitoriano ao contemporâneo) em tempo integral, em nível de graduação e pós-graduação, bem como de orientar teses. Em dois anos (setembro de 2020), nós inauguramos o Centro da Fantasia e do Fantástico, que eu codirijo com o Prof. Dr. Maslen, que conjuga o nosso ensino de fantasia, portfólio de pesquisa e atividades de engajamento público. Você deve ter visto alguns dos eventos online que estamos organizando — no nosso blog tem links de registros de todos os eventos anteriores. Além disso, uma grande novidade é o estabelecimento de uma nova série de livros, a primeira de todas com um foco acadêmico exclusivo em fantasia. Perspectives on Fantasy [Perspectivas sobre a Fantasia] será coeditada pelo Professor Brian Attebery, por mim e por meu colega (e membro principal do Centro) Prof. Dr. Matthew Sangster.

Sobre Tolkien, como você conseguiu conhecer seus trabalhos e como você se tornou especialista em literatura tolkieniana?

Eu descobri Tolkien quando era graduanda, durante uma viagem ao Reino Unido para acompanhar jovens estudantes para cursos de verão. Eu comprei A Sociedade do Anel enquanto estava lá e simplesmente “mergulhei” no mundo de Tolkien, que parecia, para mim, tão complexo e multifacetado como o mundo mitológico clássico que eu amava quando era uma jovem leitora. Eu fiquei fascinada com como um único escritor conseguiu criar uma rede tão intricada de mitos e lendas interconectados — algo normalmente feito por uma cultura inteira. A pesquisa de Tolkien entrou em minha mente desde aquele momento, e depois do meu mestrado em Estudos Celtas, eu embarquei em um doutorado em Tolkien.

Eu fiquei fascinada com como um único escritor conseguiu criar uma rede tão intricada de mitos e lendas interconectados — algo normalmente feito por uma cultura inteira

Sua primeira monografia, Tolkien, Race and Cultural History: From Fairies to Hobbits, é um estudo reconhecido. Hoje em dia, o tema “raça e Tolkien está em evidência nas mídias sociais, especialmente por conta da série da Amazon Prime sobre a Segunda Era de Tolkien. Qual é a sua opinião sobre esse debate?

Sim, o engajamento de Tolkien com assuntos de raça e antropologia racial vitoriana foi um dos temas centrais de meu livro, e eu também escrevi brevemente sobre isso outra vez em 2018 [leia a nossa tradução aqui], depois de outra tempestade midiática sobre se Tolkien era racista. A série da Amazon Prime está (devidamente) sendo examinada pelos fãs de Tolkien, especialmente depois da associação problemática de culturas indígenas com os orques nas adaptações de Peter Jackson. Como a demanda por mais diversidade em ficção científica e fantasia está, no fim das contas, recebendo mais voz e ganhando terreno (embora ainda haja muito mais a ser feito), qualquer nova adaptação das obras de fantasia clássica terá de agir com responsabilidade e refletir sobre os elementos da obra de Tolkien que são problemáticos e pensar criativamente sobre como abordá-los.

A série, como os filmes, podem ser assunto para vários estudos sobre a fantasia em diferentes meios artísticos além da literatura. Porém, Tolkien escreveu [no ensaio Sobre Estórias de Fadas] que “na arte humana, a Fantasia é algo melhor deixado às palavras, à verdadeira literatura” e que a literatura “trabalha de mente para mente e, portanto, é mais progenitiva” do que as obras visuais. O que você pensa isso?

Bem, Tolkien realmente disse essas palavras (o que denota um certo preconceito com a cultura visual), mas ele também disse [nas Cartas] que a sua mitologia deveria “deixar espaço para outras mentes e mãos, empunhando pintura, música e drama”. A ilustração interpretado e estendido a obra de Tolkien há anos, e as adaptações cinematográficas e televisivas participam do mesmo projeto — de intepretação, negociação e, frequentemente, extensão. Existe, é claro, fantasia original para essa mídia também (pense, por exemplo, na história em quadrinhos Sandman de Neil Gaiman, ou os animês do estúdio Ghibli), mas a adaptação continua sendo influente. Algumas adaptações de obras de fantasia literária para as telas grandes ou pequenas são brilhantes, e outras não são tão boas — assim como nem toda fantasia de ficção é da mesma qualidade. Recentemente, eu gostei imensamente de uma nova adaptação para televisão de His Dark Materials, de Philip Pullman, para a BBC One/HBO/Bad Wolf.

Você coeditou, com Andrew Higgins, uma edição crítica do ensaio A Secret Vice [O Vício Secreto] de Tolkien. É um ensaio que concilia filologia e mito. Depois de estudá-lo, você acredita que a filologia e o mito são duas faces da mesma moeda?

Bem, para Tolkien, definitivamente sim. Eu diria, na verdade, linguagem e mito, mais do que filologia (filologia é um termo muito específico para um campo acadêmico particular do estudo da linguagem que Tolkien se formou e ensinou). Essa ideia da linguagem e do mito como interdependentes não é um novo conceito que Tolkien inventou — ele remonta a Johann Gottfried Herder (fim do século XVIII/início do XIX) e às primeiras tentativas de teorizar ideias de nacionalidade e o papel da linguagem e do mito em sua formação. Tolkien, de certo modo, segue um modelo bastante antigo quando ele diz que a linguagem vai “gerar” uma mitologia, mas, é claro, em sua própria prática criativa suas línguas inventadas e sua mitologia inicial andaram de mãos dadas e se influenciaram mutuamente.

Quais estudiosos são suas principais fontes de inspiração?

Essa é uma pergunta difícil de responder, porque eu tenho de escolher apenas alguns em uma grande seleção! Verlyn Flieger é uma inspiração, não apenas porque ela era uma mulher em um campo acadêmico dominado por homens, cuja mera presença me ensinou que eu poderia encarar isso, mas também porque o trabalho dela é tão perspicaz e original, e suas ideias não ficaram “estagnadas” em alguns conceitos centrais e sempre repetidos. Sua erudição se desenvolveu, cresceu e permanece atual para a nova geração de estudiosos de Tolkien. Em termos de estudos de literatura de fantasia mais geral, eu segui os passos de Brian Attebery e Farah Mendlesohn, ambos os quais fizeram muito para teorizar o gênero e fornecer ferramentas metodológicas para sua análise.  

Você tem um estudo importante em mitologia celta também. Ela está presente hoje em dia em nossas vidas, se sim, como?

Minha segunda monografia foi Celtic Myth in Contemporary Children’s Fantasy, e ela está focada no modo em que os textos mitológicos e folclóricos de países de língua celta (principalmente Irlanda e País de Gales) formaram uma porção realmente importante da fantasia infantil, não apenas na Grã-Bretanha, mas também nos EUA. O mito celta aparece muito na fantasia moderna, especialmente na reformação contínua e duradoura da lenda arturiana em várias adaptações em diferentes mídias. Para mim, era importante mostrar que o passado celta é também frequentemente romantizado e que a fantasia, às vezes, transmite informação datada ou totalmente errada sobre ele.

Tolkien costumava negar as referências célticas em suas obras, embora ela estivesse presente em seus estudos e em seu antigo ideal de criar uma mitologia para a Inglaterra. Isso ocorre porque ele costumava rejeitar qualquer correlação alegórica em sua obra, ou porque havia mais discrepância entre eles?

Eu acho que Tolkien tinha uma relação de amor e ódio com as “coisas celtas” — por um lado, ele era fascinado pelo material galês e irlandês em seus primeiros escritos, por outro lado, ele realmente aspirava uma mitologia inglesa, e uma espécie de nacionalismo que não poderia incluir a marca “celta”. Essa atitude contraditória está revelada em um misto de comentários de admiração e rejeição que ele fez durante sua vida sobre os textos celtas. Você pode encontrar mais sobre isso em dois de meus artigos publicados, agora disponíveis gratuitamente no meu site. [Confira aqui e aqui]

Tolkien era muito assertivo ao dizer que as histórias de fadas não eram exclusivas para crianças. Mas, hoje em dia, as universidades que estudam esse assunto ainda classificam fantasia e contos de fadas como literatura infantil. Por outro lado, uma espécie de literatura de fantasia que não é apropriada para crianças como As Crônicas de Gelo e Fogo e The Witcher está sendo mais e mais publicada hoje em dia. Você acha que essa concepção pode mudar ao longo dos anos?

Eu acho que essa atitude já mudou. Os contos de fadas não eram direcionados para as crianças em sua fase inicial (antes dos Grimm, na verdade), e os contos de fadas modernos recontados reivindicaram esse material para direcionar ao público adulto (por exemplo, os contos de fadas recontados por Angela Carter). No Reino Unido, os contos de fadas certamente não são apenas estudados/contados como parte da literatura infantil (embora, é claro, os cursos de literatura infantil os abranjam — como eu faço quando ensino Fantasia Infantil). A distinção entre a fantasia infantil e adulta não é tão clara quanto os exemplos mais extremos implicam. O fenômeno da leitura cruzada também turvou ainda mais essa linha.

Você é bastante ativa nas mídias sociais. Você acha que é importante para os acadêmicos estarem em contato com o público geral?

As mídias sociais podem ser tanto ótimas quanto horríveis. Eu penso que os acadêmicos modernos precisam estar engajados com sites como Twitter, porque as discussões importantes sobre o futuro da fantasia são conduzidas lá, em diálogos entre acadêmicos, escritores (e outros praticantes), e fãs. Mas nós deveríamos também manter uma distância saudável — é muito fácil para as mídias sociais se tornarem intrusivas e disruptivas. Um equilíbrio saudável é o caminho a seguir.


A edição desta entrevista contou com a colaboração de Eduardo Boheme.


Dimitra Fimi é uma acadêmica tolkienista, professora de literatura de fantasia na Universidade de Glasgow (Escócia)
Cristina Casagrande é pesquisadora em literatura tolkieniana na USP

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