Construção de espadas com meteoritos: da realidade à ficção tolkieniana

Patrick Queiros

Os meteoritos têm trazido uma contribuição significativa para a história da humanidade, seja pelo mistério que despertam, seja por sua origem desconhecida, difundido diversos mitos a respeito. Os meteoritos foram objetos usados como talismãs, bem como armas ou ferramentas em diferentes culturas, como é o caso da cultura japonesa, pois era uma ótima matéria-prima para fabricação de armas. Aqui destacarei as espadas e buscarei traçar uma relação com a obra de Tolkien.

Em 1939 Tolkien, proferiu um discurso em uma conferência na Universidade St. Andrews intitulada “Sobre Estórias de Fadas”, mais tarde, sendo publicada como livro na forma de ensaio. Nele, o autor distingue o Mundo Primário do Secundário, sendo o Mundo Primário este em que vivemos, e o Secundário fruto da imaginação humana. Tolkien então se baseava no Mundo Primário para subcriar o Mundo Secundário.

Aqui então tratarei da fabricação de espadas com meteoritos, sobre um recorte da cultura japonesa, traçando verossimilhanças do mundo Secundário de Tolkien com o mundo Primário, portanto é primeiro necessário que compreendamos o significado de meteoro e meteorito.

Qual a relação entre meteorito e a obra de Tolkien?

O termo meteorito é definido pela Organização Internacional de Meteoros (IMO), como: “um objeto natural de origem extraterrestre que sobrevive a passagem através da atmosfera e atinge a superfície.” (CARVALHO; RIOS; SANTOS 2010, p.199). Já o meteoro, de acordo com a IMO, meteoro é um fenômeno luminoso, que resulta da entrada de um objeto sólido que vem do espaço na atmosfera terrestre.

No livro Os Filhos de Húrin, há uma menção indireta a meteoritos, ou de algo que nos faz lembrar deles, quando Beleg, diante do Rei Elu Thingol, pede uma espada valorosa para ir em busca de Túrin nos ermos. Diante desse pedido e desejando que Túrin retornasse a Doriath e aceitasse seu perdão, Thingol concede a Beleg, a “Anglachel; e essa era uma espada de grande valor e tinha esse nome porque fora feita de ferro que caíra do céu como estrela cadente” (TOLKIEN, 2019, p. 272).

Alan Lee

Nesse trecho, conhecemos a origem da afamada espada Anglachel, forjada a partir de um ferro caído dos céus como uma estrela ardente, um fenômeno luminoso gerado pela entrada do objeto na atmosfera, como ocorre com os meteoros em nosso Mundo Primário. Concluímos também que o meteoro, ou pelo menos um fragmento do meteoro — caracterizado como meteorito — sobreviveu ao choque inicial com a atmosfera da Terra-média e alcançou o solo. Mais tarde, esse objeto é encontrado por Eöl, o elfo escuro, que além da Anglachel, forja outra espada chamada Anguriel, utilizando o ferro trazido pela rocha espacial.

Espadas Ryuseito

Os meteoritos têm uma história curiosa na cultura japonesa. E, por mais inusitado que isso possa parecer para alguns, essas histórias têm uma forte associação com essa passagem de Os Filhos de Húrin, ainda que não haja indícios de que Tolkien tivesse conhecimento disso. E para que possam compreender melhor a relação entre a construção de espadas com meteoritos na história japonesa, utilizarei, como recorte, a história do meteorito Shirahagi do momento que foi encontrado a sua forja.

Certo dia, um fazendeiro de Toyama, no Japão, estava procurando batatas quando encontrou uma pedra incomum. Como nem mesmo os avaliadores da casa da moeda de Osaka não sabiam o que era, o objeto passou anos sendo denominado ​​como tsukemonoishi, uma pedra grande colocada em cima de vegetais como parte do processo de decepagem.

Em 1895, geólogos do Ministério da Agricultura e Comércio do Japão determinaram que a pedra era um meteorito, que passou a ser chamado de meteorito Shirahagi (meteorito de bétula). Foi comprado por Enomoto Takeaki, um samurai que desempenharia um papel fundamental na criação da primeira marinha moderna japonesa e também atuou como Ministro das Relações Exteriores.

Enomoto procurou os serviços do ferreiro Okayoshi Kunimune, e encomendou cinco lâminas, para serem forjadas a partir do Meteorito Shirahagi. Dentre as espadas japonesas, estão duas katanas longas e três tanto (“espadas curtas”, algo próximo dos punhais para os ocidentais).

Das cinco lâminas de meteoritos, conhecidas coletivamente como ryuseito (“espadas de cometas”), das duas katanas, a de melhor fabricação foi dada por Enomoto ao príncipe herdeiro Yoshihito, do Japão na época, o Imperador Taisho, que reinou de 1912 a 1926. 

As quatro restantes foram entregues aos descendentes de Enomoto. A segunda katana pertence à Universidade de Agricultura de Tóquio. Quanto às outras três, uma está em posse do Santuário Ryugu em Otaru, na ilha de Hokkaido, a outra lâmina é mantida como parte da coleção do Museu de Ciência de Toyama, e a última tem paradeiro desconhecido.

Dessa história, podem-se encontrar três questões parecidas com a história das espadas relatadas no livro Os Filhos de Húrin. A primeira, como já dissemos, diz respeito à fabricação de espadas com um meteorito. A segunda nos diz que ambas as espadas foram destinadas para uma figura política de alta autoridade; Enomoto deu uma ao príncipe herdeiro do Japão na época, o Imperador Taisho, e na obra de Tolkien, o elfo Eöl deu “Anglachel a Thingol como tributo e, de mau grado, para ter licença de habitar em Nan Elmoth” (TOLKIEN, 2019. p.273).

A terceira questão diz respeito às espadas terem ficado com herdeiros, Eöl ficou com a outra espada, “Anguirel, [que] guardou consigo até que lhe foi roubada por Maeglin, seu filho” (TOLKIEN, 2020, p. 73, colchetes nossos). Posteriormente à sua morte, quando Tuor o jogou da muralha, durante a batalha em A Queda de Gondolin, supõe-se que a espada tomou um paradeiro desconhecido, não sendo mais mencionada nas obras de Tolkien, permanecendo perdida, assim como uma das espadas herdadas pelos descendentes de Enomoto, cujo paradeiro até hoje é desconhecido.

Essas são algumas das semelhanças entre a construção de espadas fabricadas através de meteoritos e sua relação com as katanas forjadas a pedido de Enomoto no Japão. Imagino que essas questões tenham despertado alguma curiosidade do leitor sobre a fabricação de katanas com meteoritos e se essa forja possui alguma relação com o Mundo Secundário do nosso autor.

Ferreiro: realidade x ficção

De acordo com o livro O Silmarillion, Eöl era chamado de elfo escuro, pois residia sozinho na floresta de Nan Elmoth, onde as árvores eram as mais altas e escuras de toda a Beleriand; e ali o sol nunca penetrava. Eöl evitava os Noldor, considerando-os culpados por Morgoth ter voltado a perturbar a tranquilidade de Beleriand; mas dos anãos, os Naugrim, ele gostava e com eles conversava:


E, conforme essa amizade crescia, ele, por vezes, ficava como hóspede nas fundas mansões de Nogrod ou Belegost. Lá aprendeu muito sobre o trabalho em metais e adquiriu grande engenho nele; e inventou um metal tão duro quanto o aço dos Anãos, mas tão maleável que conseguia tor­ná-lo fino e dúctil; e, contudo, continuava resistente a todas as lâminas e pontas. Deu-lhe o nome de galvorn, pois era negro e lustroso como azeviche, e se vestia com ele toda vez que viajava. (TOLKIEN, 2019, p. 188)

Os ferreiros especializados em fazer katanas dizem que não é apenas a origem
do metal do ryuseito que o torna diferente. O ferro meteórico tem um teor de níquel de cerca de 10%, mais alto que o ferro terrestre, além de menos carbono.

Na verdade, isso dificulta um pouco o trabalho, pois um baixo teor de carbono torna o metal mais resistente ao endurecimento. Por causa disso, o ryuseito não é feito apenas de ferro meteórico, mas uma liga que é 70% de ferro meteórico e 30% de tamahagane, metal rico em areia de ferro usado para a katana comum.

Dessa maneira, pode-se cogitar que a forja das espadas Anglachel e Anguriel, tenham sido feitas de forma análogas utilizando-se 70% do ferro meteórico e 30% de um metal chamado de Galvorn, já que o carbono tornaria o metal mais resistente ao endurecimento.
O Galvorn era um metal tão resistente quanto o aço dos anãos, mas tão maleável que era possível fazê-lo fino e flexível e resistente a qualquer lâmina ou dardo — e eventualmente poderia ter uma composição semelhante as espadas ryuseito.

Essas curiosidades nos levam, enfim, a pensar na relação dos elementos da natureza com a composição das histórias de fantasia. Os meteoritos continuam desempenhando um papel significativo na história da humanidade, tanto para os astrônomos que pesquisam o mundo primário, quanto para autores que testam os limites da imaginação. A partir disso, nós leitores podemos observar as semelhanças entre os mundos e entender mais sobre eles e nós mesmos.


Referências
CARVALHO, W.P; RIOS,D.C;SANTOS,I.P.L. A História Meteorítica. Revista Brasileira de Geociências.2010. Disponível em:http://bendego.com.br/pdf/anexos/Anexo_3.4.pdf

FERREIRA, Leandro. Uma análise de perto de uma das cinco espadas ryuseito do Japão, forjada a partir de meteoritos. Connection Japan.2019. Disponível em: https://connectionjapan.com/2019/09/24/uma-analise-de-perto-de-uma-das-cinco-espadas-ryuseito-do-japao-forjada-a-partir-de-meteoritos/Acesso em:12/01/2019

“O Universo e a Arte” nº 2: Espada de Meteorito. moriartmuseum. 2016. Disponível em: https://www.mori.art.museum/blog/2016/08/welcome-to-the-portal-to-the-universethe-universe-and-art-work-2-meteorite-sword.phpAcesso em: 12/01/2019.

TOLKIEN, J.R.R. Árvore e Folha. Tradução: Reinaldo José Lopes. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2020.

TOLKIEN, J. R. R. O Silmarillion. Tradução: Reinaldo José Lopes. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2019.

TOLKIEN, J.R.R. Os Filhos de Húrin. Tradução: Ronald Krmse. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2020.


Arte de Destaque: Elena Kukanova.

Patrick Queiros é formado em psicologia pelo Centro Universitário UniRuy Wyden e é Thain da Toca-Ba. 


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