Romário Ferreira
Revisão de Pedro Freire
Morgoth havia sido destronado. Muitos dos elfos exilados haviam partido para Casadelfos, mas muitos ainda viviam na Terra-média, sob autoridade de primogênitos de Ilúvatar como Gil-galad, Galadriel e Celebrimbor. Os mais poderosos desses reinos eram Lindon e Eregion, chefiados por Gil-Galad e Celebrimbor (considerando-se a versão em que ele é Senhor de Eregion, constatada em O Senhor dos Anéis).
Sauron havia sumido, e o Conto dos Anos informa que ele “começou a agitar-se na Terra-média […]” por volta do ano 500 da Segunda Era. E, enquanto esse perigo avança, o poder dos Númenóreanos cresce em ritmo parecido, assustadoramente, para alguém com as aspirações de Sauron. Por fim, o novo Senhor do Escuro escolhe Mordor, no ano 1000, para levantar sua fortaleza.
Na forma de Annatar (que é “O Senhor das Dádivas” — corpo físico escolhido por Sauron em suas negociatas), ele tenta ludibriar os elfos; no entanto, seus conselhos são rechaçados em Lindon por Gil-Galad e Elrond, e acolhidos em Eregion, como nos é contado em Dos Anéis de Poder e da Terceira Era:
Que lástima a fraqueza dos grandes — disse-lhes então Sauron. — Pois rei poderoso é Gil-galad, e sábio em todas as tradições é o Mestre Elrond. Mas, mesmo assim, eles não me querem ajudar em meus esforços. Será possível que não desejem ver outras terras se tornarem tão venturosas quanto as deles? Mas por que deveria a Terra-média permanecer para sempre desolada e escura, se os elfos poderiam torná-la tão bela quanto Eressëa! Não, tão bela até mesmo quanto Valinor? E, já que não voltaram para lá como poderiam, percebo que vocês amam a Terra-média, como eu amo. Não será então nossa missão trabalhar juntos para aperfeiçoá-la e para elevar todas as estirpes de elfos que perambulam por aqui, incultas, ao apogeu de conhecimento e poder que têm aqueles que estão do outro lado do Mar? (O Silmarillion, tradução de Waldéa Barcellos, p. 366)
Percebam a proposta do Senhor das Dádivas: ele entende o apego dos Elfos à Terra-média e às nostálgicas Terras Imortais, de onde vieram. Nas palavras de Tolkien:
[…] queriam ter o bolo sem precisarem comê-lo. Queriam a paz, a felicidade e a lembrança perfeita d’O Ocidente, e ainda assim permanecer na terra comum, onde seu prestígio como o mais elevado dos povos, acima dos elfos selvagens, dos anões e dos homens, era maior do que na base da hierarquia de Valinor. Tornaram-se assim obcecados com “desvanecer-se”, o modo pelo qual as mudanças do tempo (a lei do mundo sob o sol) eram percebidas por eles. Tornaram-se tristes, e sua arte (digamos) antiquária, e todos os seus esforços na verdade uma espécie de embalsamamento – apesar de também reterem o antigo motivo da sua espécie, o adorno da terra e a cura de suas feridas. (Trecho da carta 131 a Milton Waldman)
E ainda:
Mas os elfos não são totalmente bons ou têm razão. Não tanto por terem flertado com Sauron, já que com ou sem sua assistência eles eram ‘embalsamadores’. Queriam fazer uma omelete sem quebrar alguns ovos: viver na Terra-média histórica e mortal porque se afeiçoaram a ela (e talvez porque lá possuíam as vantagens de uma casta superior), e assim tentaram deter a mudança e a história desta, deter seu crescimento, mantê-la como um santuário, mesmo que em grande parte fosse um deserto, onde poderiam ser “artistas” — e ficaram sobrecarregados pela tristeza e pelo arrependimento nostálgico. (Trecho da carta 154 para Naomi Mitchison)
A confecção dos Anéis de Poder foi extremamente subversiva. Por motivos egoístas e elitistas, os Elfos flertaram com Sauron, numa tentativa de quebrar a ordem natural do mundo sob o sol: se apegaram sumariamente à Terra-média e, como dito na carta, talvez até às vantagens de serem uma casta superior no mundo.
Como sabemos, secretamente Sauron forjou o Um Anel, e todos os outros Anéis de Poder foram feitos em Eregion. Até mesmo os Três Grandes dos elfos, feitos exclusivamente por Celebrimbor, estavam sujeitos a ele. Quando Sauron colocou o Um Anel, os elfos o descobriram e esconderam os Três. Começou a guerra pelos Anéis de Poder. Eregion foi devastada, Celebrimbor foi morto e seu corpo, usado como estandarte pelo inimigo e Sauron se tornou quase supremo na Terra-média, o Senhor dos Anéis, rei e deus para seus súditos.
A atitude Subversiva dos Elfos teve frutos amargos: mesmo escapando da dominação de Sauron, abriram as portas para que ele o fizesse com os “Apanónar”, que eram maioria esmagadora em Endor naqueles dias. Sem contar que a maior e mais poderosa civilização a leste de Aman naqueles dias era humana, e sabemos que três dos nove Espectros dos Anéis eram Númenóreanos. Provavelmente o líder deles era. A esperança de transformar a Terra-média num santuário élfico acabou como Celebrimbor, Senhor de Eregion: morto diante do Senhor dos Anéis.
