J.R.R. Tolkien
Tradução: Sérgio Ramos
Este conto, que cresceu até ser quase uma história da grande Guerra do Anel, é retirado, na maior parte, das memórias dos renomados Hobbits, Bilbo e Frodo, posto que estão preservadas no Livro Vermelho do Marco Ocidental. Este monumento principal de conhecimento hobbit é assim chamado porque foi compilado, repetidamente copiado, ampliado e passado adiante na família dos Lindofilhos do Marco Ocidental, descendentes daquele Mestre Samwise, sobre o qual este conto tem muito a dizer.
Suplementei o registro do Livro Vermelho, em partes, com informação derivada dos registros sobreviventes de Gondor, notadamente o Livro dos Reis; mas, em geral, embora eu tenha omitido muito, aderi neste conto mais intimamente às palavras reais e à narrativa do meu original mais do que na seleção prévia do Livro Vermelho, O Hobbit. Aquele foi retirado dos capítulos iniciais, composto originalmente pelo próprio Bilbo. Se é que “composto” é uma palavra justa. Bilbo não foi assíduo, nem um narrador ordenado, e seu registro é embaralhado e discursivo, e algumas vezes confuso: falhas que ainda aparecem no Livro Vermelho, já que os copistas foram pios e cuidadosos e alteraram muito pouco.
O conto foi colocado em sua presente forma em resposta aos muitos pedidos que recebi por mais informações sobre a história da Terceira Era e sobre Hobbits em particular. Mas já que meus filhos e outros da idade deles, que souberam primeiro do achado do Anel, cresceram com os anos, este livro fala mais claramente daquelas coisas sombrias que apenas espreitavam nas bordas do conto anterior, mas que importunaram a Terra-média ao longo de toda sua história. Não é, de fato, um livro escrito para crianças de qualquer modo; embora muitas crianças estarão, é claro, interessadas nele, ou em partes dele, pois elas ainda estão nas histórias e lendas de outros tempos (especialmente naqueles não especialmente escritos para elas).
Dedico este livro a todos os admiradores de Bilbo, mas especialmente a meus filhos e filha, e aos meus amigos, os Inklings. Aos Inklings, porque eles já o ouviram com uma paciência e, de fato, com um interesse que quase me leva a suspeitar que eles possuem sangue Hobbit em sua venerável ancestralidade. Aos meus filhos e filha pela mesma razão, e também porque eles todos me ajudaram nos labores da composição. Se é que a “composição” for uma palavra justa e todas essas páginas não mereçam tudo que eu disse sobre a obra de Bilbo.
Pois, se o labor foi longo (mais de catorze anos), não foi nem ordenado nem contínuo. Mas não tive o tempo livre de Bilbo. De fato, muito daquela época não trouxe para mim nenhum tempo livre, e, mais de uma vez, por todo um ano, a poeira se juntou em minhas páginas inacabadas. Apenas digo isso para explicar àqueles que aguardaram por este livro por que eles tiveram de esperar tanto. Não tenho razão para reclamar. Estou surpreso e encantado por encontrar, em numerosas cartas, que tantas pessoas, tanto na Inglaterra quanto do outro lado do Água, compartilham de meu interesse nessa história quase esquecida; mas ela ainda não é reconhecida universalmente como um ramo importante de estudo. Ela não tem, na verdade, nenhum uso prático evidente, e aqueles que se voltam a ela mal podem esperar por serem atendidas.
Muita informação, necessária e desnecessária, será encontrada no Prólogo. Para completá-lo, alguns mapas são fornecidos, incluindo um do Condado que foi aprovado como razoavelmente correto por aqueles Hobbits que ainda se preocupam com a história antiga. Ao final do terceiro volume, serão encontradas também algumas árvores genealógicas resumidas, que mostram como os Hobbits mencionados relacionavam-se entre si, e quais eram suas idades quando a história inicia. Há um índice de nomes e palavras estranhas com algumas explicações. E, para aqueles que gostam de tal conhecimento num apêndice, um breve registro é dado sobre as línguas, alfabetos e calendários que eram utilizados nas terras ocidentais na Terceira Era da Terra-média. Aqueles que não precisam de tal informação, ou que não a desejam, podem negligenciar essas páginas; e os nomes estranhos que eles encontrarem podem, é claro, ser pronunciados como quiserem. Atenção foi dada à sua transcrição a partir dos alfabetos originais, e algumas notas são oferecidas sobre as intenções de grafia adotadas.* Mas nem todos estão interessados em tais assuntos, e muitos que não estejam podem ainda encontrar o registro desses grandes e valiosos feitos dignos de leitura. Foi nessa esperança que iniciei o trabalho de traduzir e selecionar as estórias do Livro Vermelho, parte do qual está agora apresentada a Homens de uma Era tardia, quase tão sombria e sinistra quanto foi a Terceira Era que pôs fim aos grandes anos de 1418 e 1419 do Condado muito tempo atrás.
*Alguns podem acolher bem a nota preliminar sobre a pronúncia realmente pretendida pelas grafias usadas nesta história.
As letras c e g são sempre “duras” (como no k e o g em get), mesmo antes de e, i e y; ch é utilizado como em galês ou alemão, não como no inglês church.
Os ditongos ai (ae) e au (aw) representam sons como aqueles ouvidos em brine e brown, e não aqueles de brain e brawn.
Vogais longas são marcadas com um acento agudo ou com um circunflexo e geralmente são também tônicas. Portanto, Legolas tem um o curto e é para ser enfatizada a sílaba inicial.
Essas observações não se aplicam aos nomes dos Hobbits ou seu Condado, que foram todos anglicizados por razões explicadas posteriormente.
Tradução: Sérgio Ramos
Nota do tradutor: o Prefácio da 1ª edição de O Senhor dos Anéis (1954) difere enormemente daquele da 2ª edição, publicado pela primeira vez em 1965. Segundo uma nota do próprio autor (disponível em Os Povos da Terra-média, o 12º volume de A História da Terra-média): “Confundir (como o faz) assuntos pessoais reais com a ‘maquinaria’ do Conto é um erro sério”. Ainda que J.R.R. Tolkien, com o novo Prefácio, tenha preferido apartar sua vida pessoal do Mundo Secundário, a ideia de que o autor seria, na verdade, apenas editor e tradutor do conto (e não seu escritor) permanece na nota prefacial da 2ª edição de O Hobbit (1951) e no Prólogo e Apêndices de O Senhor dos Anéis.
Referência:
HAMMOND, G. H., SCULL, C. The Lord of The Rings — A Reader’s Companion. Londres: HarperCollins, 2014.
Obrigado pela tradução. Não conhecia essa versão