Between darkness and the splintered lights of Tolkienian Faery: an interview with Verlyn Flieger


Entre a escuridão e as luzes fragmentadas da Feéria tolkieniana: entrevista com Verlyn Flieger

Cristina Casagrande e Eduardo Boheme

Read this interview in English.

No panteão dos grandes estudiosos da literatura tolkieniana, encontra-se uma experiente professora de modos e trato elegantes e distintos. É bem possível que, num jogo de faz de conta tolkieniano, pudéssemos chamá-la de Maia, ou quiçá Fata, uma vez que sua sabedoria remonta aos Dias Antigos da pesquisa acadêmica tolkieniana.

De volta ao nosso Mundo Primário, que também tem sua beleza e encantamento, Verlyn Flieger é professora emérita do Departamento de Inglês da Universidade de Maryland (UMD), especialista em Tolkien (cuja obra ela lê desde 1956–57), Mitologia, Folclore, entre outros. Atualmente ministra cursos online na Universidade Signum, e é coeditora do prestigiado periódico Tolkien Studies, além de membro do comitê acadêmico da editora Walking Tree.

Entre os grandes feitos de sua longa carreira acadêmica estão os quatro Mythopoeic Awards e a responsabilidade de editar obras do próprio Tolkien como Ferreiro do Bosque Maior (2005), The Lay of Aotrou & Itroun [A Balada de Aoutrou e Itroun] (2016), e o então inédito A História de Kullervo (publicado no periódico Tolkien Studies em 2010, e em livro em 2015).

Essas e outras contribuições conferiram à professora emérita da UMD não apenas a cadeira cativa entre os grandes especialistas do autor de O Senhor dos Anéis, mas uma experiência de vida que vai além do campo profissional. Flieger era amiga de Priscilla Tolkien, a caçula de Ronald e Edith Tolkien, e correspondia-se com Christopher, filho e herdeiro do espólio literário do autor. Ela também se embrenhou no mundo ficcional, escrevendo livros de fantasia, com temática celta, arturiana, entre outras.

Figura inspiradora para muitos pesquisadores da área, Flieger também teve em quem se inspirar: Tom Shippey, Owen Barfield e Christopher Tolkien. Tendo publicado seu primeiro livro acadêmico em 1983, Splintered Light: Logos and Language in Tolkien’s World [Luz Fragmentada: Logos e Linguagem no Mundo de Tolkien], a professora continua produzindo artigos, prefácios, entre outros trabalhos sobre Tolkien, fantasia e assuntos correlatos, sendo o mais recente o artigo “Defying and Defining Darkness” [Desafiando e Definindo a Escuridão] para o periódico Mallorn da Tolkien Society, em 2020.

O lançamento do livro The Great Tales Never End: Essays in Memory of Christopher Tolkien [Os Grandes Contos Nunca Terminam: Ensaios em Memória de Christopher Tolkien] está previsto para 2 de setembro deste ano. Nesse novo livro, diversos tolkienistas darão sua contribuição de acordo com suas especialidades, entre eles a própria Verlyn Flieger, que nos brindará com seu ensaio “Listen to the Music” [Ouça a Música].  

Confira a nossa entrevista com ela.

Você tem estudos importantes sobre os contos de fadas. Você acha que a sua percepção sobre o “fairy” (em seus múltiplos significados) mudou ao longo dos anos? Como os estudos sobre Tolkien contribuíram para isso?

Você se refere tanto a “fairy” [fada] quanto a “faërie” [feéria]?  Minha percepção se aprofundou, conforme eu me embrenhei na etimologia e nos rascunhos do ensaio de Tolkien “Sobre Estórias de Fadas”. Tolkien chamava Feéria de um “reino perigoso”, e eu concordo. Ela tem um lado sombrio; você pode se perder no encantamento. Acho que Tolkien tinha consciência disso, e isso se demonstra em uma leitura atenta de O Senhor dos Anéis. E mesmo em O Hobbit. Trevamata é um lugar perigoso.

Você editou diversos manuscritos do próprio Tolkien, como A História de Kullervo, “Sobre Estórias de Fadas”, Ferreiro do Bosque Maior e The Lay of Aotrou & Itroun. Com o que um editor precisa estar pronto para lidar nos manuscritos de Tolkien?   

A letra dele, antes de tudo. Tolkien usava escritas variadas, que iam de uma bela letra caligráfica (quando estava passando uma cópia a limpo) a um garrancho indecifrável, quando as ideias chegavam rapidamente, e ele corria para acompanhá-las. Houve palavras e, às vezes, sentenças inteiras, especialmente nos rascunhos de “Sobre Estórias de Fadas”, que simplesmente não consegui ler.

Você poderia nos contar brevemente sobre a experiência ao editar essas obras? Qual delas lhe trouxe uma realização especial como pesquisadora ou mesmo como leitora de Tolkien?

Cada uma delas trouxe ao mesmo tempo desafios e satisfações. Desafios porque a responsabilidade de fazer jus às intenções de Tolkien (quando eu conseguia discerni-las) sempre pesou bastante. As histórias — Kullervo, Ferreiro e A&I — foram as mais divertidas, pois eu ficava absorta nos deslocamentos e nas mudanças de enredos e personagens. Das três, A História de Kullervo me trouxe o maior senso de realização porque era uma obra nova, enquanto as demais já haviam sido publicadas. Ninguém tinha visto o lado Kullervo de Tolkien, sua afinidade com uma figura tão sombria, trágica e autodestrutiva. Acho que isso expandiu nossa percepção do que ele era capaz.

Como você enxerga os estudos sobre Tolkien na atualidade, especialmente se comparados com o cenário acadêmico de quando você iniciou sua carreira?

Não havia exatamente um “cenário” quando comecei. Havia Tom Shippey, Jane Chance, Anne Petty, Paul Kocher. Então eu tinha a possibilidade de falar sobre temas gerais, olhar para assuntos amplos, como o medievalismo de Tolkien ou suas ideias sobre a língua. E, é claro, O Silmarillion tinha acabado de ser publicado, e isso abriu uma nova janela, colocando O Senhor dos Anéis em uma perspectiva mais nova e ampla. Hoje há muitas outras áreas diferentes de estudos, de línguas, teoria queer, raça, sexo, política. As áreas estão fragmentadas em divisões de estudo mais definidas e específicas. Há ainda mais estudiosos competentes cujo trabalho podemos agregar e desenvolver. As mentes enriquecem umas às outras; quanto mais mentes, maior o enriquecimento. Tem bastante espaço.

Os estudos tolkienianos passam por diferentes áreas de conhecimento, como filologia, teologia, mitologia e outros temas estéticos e literários. Em sua opinião, que campo de conhecimento foi o mais proeminente ao longo dos anos nos estudos tolkienianos, e como essas áreas poderiam trabalhar juntas em harmonia?

Elas são todas importantes, mas para diferentes tipos de leitores e por razões diferentes. Elas nem sempre trabalham em harmonia entre si. Teólogos e mitólogos, por exemplo, tendem a olhar para diferentes valores na ficção de Tolkien. Você conhece o livro Pagan Saints [Santos Pagãos] de Claudio Testi? É uma discussão muito boa e equilibrada desse tópico espinhoso. As línguas de Tolkien são por si só um campo completo de estudo, mas muito técnico e requer um conhecimento prévio em linguística para compreensão. É uma área relativamente estreita e atrai mais os entusiastas de línguas.

Você acha que os filmes, séries e outras adaptações interferem significativamente na pesquisa acadêmica?

Eu acho que elas redirecionam a pesquisa. Elas mudam a mídia, e isso muda o material, e isso muda como ele é visto.

Neste ano, Priscilla Tolkien nos deixou, e Christopher se foi há dois anos. O que você acha que será diferente a partir de agora, considerando as obras de Tolkien, nos estudos e nas adaptações?

Eu acho que haverá mais adaptações (algumas já em produção). Os livros serão menos vistos como referência e mais como trampolins para novas invenções. Não vejo isso totalmente com bons olhos, mas tenho certeza de que é o que vai acontecer.

Que conselho você daria para os jovens pesquisadores em Tolkien, especialmente os que estão bem no começo da trajetória acadêmica?

Encontre o que o entusiasma e escreva sobre isso. A obra de Tolkien é tão rica, tão polivalente, que há trabalho a ser feito em todos os níveis. A pesquisa é contínua, uma ideia leva à outra, uma concepção, cena, sequência ou palavra incita a seguinte. Siga as trilhas para onde elas conduzem.  


Verlyn Flieger é professora emérita da Universidade de Maryland e escreveu vários livros acerca da obra de J.R.R. Tolkien.
(Foto: Tolkien Society)

Cristina Casagrande é doutoranda na Universidade de São Paulo e autora de A Amizade em O Senhor dos Anéis.
Eduardo Boheme é mestre em Tradução Literária pelo Trinity College da Universidade de Dublin.

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